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Opinião

Instituto Mídia Étnica: 11 anos rompendo as amarras do coronelismo midiático

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Luciane Reis

Luciane Reis

No momento em que o Instituto Mídia Étnica (IME) comemora 11 anos na luta pelo direito humano à comunicação, eu não poderia deixar de parabenizá-lo e pensar a importância de mídias negras como o “Geledés”, “Portal SoteroPreta”, “A Lista Negra”, “Flor do Dendê”, dentre outras. De Youtubers e influencers digitais como “Tia Má”, “Frases de Mainha”, “Tá Bom pra Você?”, “Muro pequeno”, “PH Cortes”, “Afro e Afins”, e tanto outros que vem dando destaque a segmentos invisibilizados e que sofrem violações na mídia diariamente.

Falar dos 11 anos do IME, é falar da desconstrução da noção de “democracia racial”, igualdade de oportunidades e participação social nos veículos e meios de comunicação brasileiros. É falar de uma disputa cotidiana com uma mídia majoritariamente branca, hétero, católica ou evangélica que naturaliza o sentimento de que negros, gays e mulheres pertencem a grupos “minoritários”, logo, com direitos e referenciais passíveis de serem violados e invisibilizados pelo racismo midiático que conhecemos.

imeReverenciar e potencializar veículos como o Correio Nagô\ Mídia Étnica, youtuber’s e influenciadores negros, é perceber quão primordial é a existência destes na aglutinação, fortalecimento e visibilidade de vozes e temas caros – porém deslegitimados – por uma representação radicalizada e estigmatizadora de parcela da sociedade.

“Temos uma disputa ideológica cotidiana, logo somos responsáveis pela reprodução positiva das identidades sociais “virtuais” e reais.

É preciso repensar nossa forma de se comunicar com a sociedade brasileira e, nesse sentido, as mídias negras são uma grande aliada, uma vez que rompem com a cultura de que para ser válido, precisa ser noticiado em veículos legitimados por uma sociedade não negra e que denunciamos todos os dias como promotoras das diversas opressões que nos atingem. Precisamos ser ousados no fortalecimento dos nossos veículos e, principalmente, na produção de conteúdo para esses sites e blogs.

ime2É urgente que nos tornemos a mídia sobre todos os formatos, seja produzindo conteúdo, em páginas pessoais ou compartilhando personalidades e produtos de intelectuais que falem de nós, do nosso lugar de fala ou temas de nosso interesse ou comunidades. Temos uma disputa ideológica cotidiana, logo somos responsáveis pela reprodução positiva das identidades sociais “virtuais” e reais, quando se fala do registro da nossa memória e história nas amplas e diversas redes de mídia.

“Nesse repensar nossa postura com esses veículos, não vejo melhor presente ao Instituto Mídia Étnica e demais veículos negros, do que a sua potencialização por cada um de nós”

ime4É preciso romper com a cultura que vê as mídias negras como uma ação de segunda ou terceira categoria ou, pior ainda, como a alternativa final quando os veículos que legitimamos e reclamamos, não nos aceitam como pauta.

Nesse repensar nossa postura com esses veículos não vejo melhor presente ao Instituto Mídia Étnica e demais veículos negros, do que a sua potencialização por cada um de nós que militamos por um mundo melhor, rompendo assim com parte do ciclo negativo que tanto nos assola. Logo, discutir a ampliação e fortalecimento destes é um desafio a todos aqueles que lutam pela promoção da igualdade – em especial a racial no Brasil.

 

Luciane Reis é publicitaria, idealizadora do MerC’afro e pesquisadora de desenvolvimento econômico, com foco em afro empreendedorismo e vulnerabilidades periféricas.

 

Opinião

#Entrevista – Anhamoná Brito fala sobre atuação dos Conselhos Tutelares

Jamile Menezes

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Anhamoná Brito

A autora do livro, Anhamoná Brito atuou em diferentes cargos públicos no Estado e na esfera federal, dentre eles o de Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia (2009/2011), Secretária de Políticas de Ações Afirmativas da SEPPIR, (2011/2012), Superintendente de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos do Estado da Bahia (2015/2016); e Coordenadora Geral do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Estado da Bahia (2020/2022). O” Manual avançado para atuação de conselheir@s tutelares” é uma obra voltada à reflexão, conscientização, informação e instrumentalização cidadã para a garantia e defesa de direitos de crianças e adolescentes. Confira entrevista:

Portal Soteropreta – Qual o motivo que a levou à campanha de financiamento coletivo para apoiar a formação destes Conselheiros Tutelares?

Anhamoná Brito – A nossa ação trata-se de um financiamento coletivo para contribuir com a formação continuada dos 655 conselheiros/as tutelares em atividade nas 50 cidades mais índices de mortes violentas no país, garantindo-lhes 655 exemplares (um para cada conselheiro/a tutelar de cada uma dessas cinquenta cidades) do “Manual Avançado para a Atuação de Conselheir@s Tutelares”, que é uma obra de minha autoria. A escolha das cidades justifica-se porque a elevação dos casos de homicídios, latrocínios e instigação a suicídio é a ponta do iceberg de um processo de desigualdades e afetações sistêmicas, que também vitimizam as crianças e adolescentes que residem nas áreas mais violentas do país. De acordo com o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública – Edição de 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – cujos dados subsidiaram a escolha das cidades priorizadas pelo financiamento coletivo – o nosso país vive um processo de elevação de várias formas de violências contra crianças e adolescentes, com expressivo aumento no número de casos ao longo do ano de 2022. O crime de exploração sexual foi o que sofreu maior variação, com 16,4%, seguido por estupro, que teve um aumento de 15,3% (em 2021, foram registrados 45.076 casos, ante 51.971 ocorrências registradas em 2022).

Portal Soteropreta – Como essa ideia surgiu em sua trajetória e qual o principal intuito da publicação?

Anhamoná Brito – Ao longo dos 24 anos em que exerço a Advocacia, sempre atuei na esfera da proteção e promoção dos direitos humanos de sujeitos e grupos vulnerabilizados, sobretudo população negra, mulheres, população LGBTQIA+ e povos tradicionais, com ênfase para comunidades quilombolas, em face da minha origem. Por quase dois anos, pude acompanhar os desafios para o desenvolvimento de políticas para crianças e adolescentes, ao exercer o cargo de Superintendente de Direitos Humanos do Estado da Bahia. Entre 2020 e 2022, atuei enquanto Coordenadora Geral do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Estado da Bahia. Nesta oportunidade, vivi os desafios de acessar, de maneira segura e respeitada, a peculiaridade de cada caso em face de situações extremas. Serviços vinculados ao Sistema de Garantias de Direitos de Crianças e Adolescentes, para atender às necessidades específicas deste público, o qual integravam os núcleos familiares enquanto vidas sob proteção do Estado. A experiência me mostrou a importância de investirmos na formação continuada dos/as conselheiros/as tutelares, que são uma das principais portas de entrada para o acolhimento de situações de violações de direitos, bem como para o acesso a instituições e serviços, em face da carência de esforços e investimento financeiro para tal fim. Através do livro, pretendo dar vazão à crença de que é possível revertermos desigualdades, através da atuação direta de todas as pessoas e priorizando a educação para/em direitos. Especificamente no cenário da infância e da adolescência, compreendo que conselheiros/as tutelares são agentes estratégicos para a consagração da proteção integral e da prioridade absoluta que a nossa Constituição confere a este público; o qual, infelizmente, necessita de uma atenção coletiva, em face da vulnerabilidade real que detém pela idade e da própria dependência dos genitores e responsáveis para a preservação e garantia de seus direitos.

 

Portal Soteropreta – O que a população precisa saber sobre os Conselheiros Tutelares?

Anhamoná Brito – Os conselhos tutelares são uma inovação jurídica introduzida pelo Estatuto da Criança e Adolescente, totalmente brasileira, não existindo em outras partes do planeta um órgão como seu formato e atribuições – com membros escolhidos pelos/as cidadãos/ãs em votação aberta a todos os eleitores, de caráter não obrigatório – com o papel de promover o acompanhamento familiar; receber denúncias e promover orientações; representar diretamente os interesses de crianças e adolescentes perante a autoridade judiciária, delegacias e ao Ministério Público, a depender da situação e de acordo com a lei; fiscalizar diretamente entidades de cumprimento de medidas socioeducativas e de medidas de proteção; aplicar medidas de proteção a benefício de crianças e adolescentes, inclusive para cumprimento dos pais e responsáveis; requisitar documentos e serviços públicos; dentre outros. Um bom exemplo sobre a importância da atuação qualificada dos conselhos tutelares, diz respeito aos casos de violência doméstica e familiar.

De acordo com o ECA, compete aos conselhos tutelares representar à autoridade judicial ou policial para requerer o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência, nas situações em que as crianças e adolescentes são vitimizadas, de maneira direta ou indireta. Tal atribuição é pouco divulgada, mas precisa ser de conhecimento e atuação técnica dos/as conselheiros/as.

A questão central é a seguinte: como operacionalizar tantas competências e habilidades se falta acesso à informação qualificada; bem como formação inicial e continuada a esses importantes agentes públicos?

Portal Soteropreta – Quais são os principais desafios enfrentados pelos Conselheiros Tutelares em seu trabalho diário, especialmente nas áreas mais violentas do país?

Anhamoná Brito – A atuação dos/as conselheiros/as tutelares precisa seguir o que está disposto no ECA, bem como a Resolução nº 231/2022, do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA, que, resumidamente, prevê a necessidade de estrutura própria, apoio orçamentário para o desempenho das funções; equipamento suficiente para o exercício da atividade, inclusive com suporte de veículo, telefonia, internet, dentre outros suportes. Além disso, é fundamental que seja respeitada a autonomia funcional desses agentes, bem como se garanta uma remuneração condigna à complexidade e relevância do trabalho desempenhado.

Infelizmente, a gente percebe que, dos 6.100 conselhos tutelares existentes no Brasil, onde atuam 30.500 conselheiros e conselheiras, ainda há muita carência de recursos para o desempenho de suas funções.

Também deve ser destacada a tentativa de controle das atividades por determinados setores e grupos, principalmente vinculado ao comando de mandatos e lideranças político-partidárias, os quais veem na ação destes agentes um caminho para o estabelecimento, a partir da pauta da infância e da adolescência, de novos currais eleitorais nas comunidades em que os conselhos tutelares se situam.

Portal Soteropreta – Como avalia os dados apresentados pelo 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública em relação aos crimes contra crianças e adolescentes?

Anhamoná Brito – Nós, pesquisadores/as das universidades brasileiras, exercemos um importante papel para a promoção de uma leitura apropriada de dados sociais, sobretudo os que se vinculam às bases de dados de instituições e serviços públicos. No caso do Anuário Brasileiro da Violência, trata-se da análise de informações a partir de pesquisas continuadas sobre diferentes formas de violência. As pesquisas realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública há quase duas décadas, partem da análise de informações constantes em base públicas de dados, permitindo uma leitura qualificada do cenário de desigualdades e violências a partir do cruzamento de informações, cenários e públicos implicados nestas ocorrências. Sobre a questão da infância e da adolescência, a edição que vocês mencionam (2023) traz, de maneira inédita, dados sobre diferentes formas de violência incidentes contra este público, praticadas por diferentes atores e em diferentes espaços e contextos.  Há um capítulo específico sobre violência contra crianças e adolescentes, reportando vários tipos de crimes, a exemplo dos crimes sexuais, pornografia, exploração sexual, mortes violentas intencionais, maus tratos.

Também de maneira inédita, há leituras sobre o sistema socioeducativo, lançando luzes sobre os adolescentes que cumprem medidas por atos infracionais, indicando os principais casos em cada modalidade de medida; além de fazer uma leitura sobre o funcionamento do próprio sistema, indicando algumas tendências.

Por último, também destaco o capítulo que se reporta às violências nas escolas, que ganhou contornos de gravidade nos últimos anos, com inúmeros casos em nosso país, chamando a atenção dos poderes públicos e repercutindo, inclusive, na aprovação de uma nova Lei – 14.811/2024, com indicativo de ações em rede para a reversão deste fenômeno.

Portal Soteropreta – Como você acha que a distribuição do “Manual Avançado para a Atuação de Conselheir@s Tutelares” pode ajudar a enfrentar esses desafios?

Anhamoná Brito – Sou uma seguidora dos ensinamentos de Paulo Freire, para quem a utopia é um “modo de estar-sendo-no-mundo”, o qual necessita de um conhecimento consciente da realidade para que possamos mudá-la ou, no dizer do Mestre, para que possamos “pro-jetar, lançar-se adiante”. Mais do que acredito, deposito meus esforços pessoais que este Manual tem a possibilidade de contribuir com o processo de formação e também com o desenvolvimento das atividades ordinárias e especiais de conselheiros/as tutelares, bem como dos demais profissionais que integram o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. Por conta disso, abri mão de meus direitos autorais para os 655 exemplares que serão disponibilizados aos/às conselheiras que pretendemos beneficiar com esta iniciativa. Gostaria muitíssimo que todo o livro fosse reproduzido e disponibilizado, gratuitamente, para os 30.500 conselheiros e conselheiras em atividade no país; ou, ao menos, aos 2.225 membros que atuam na Bahia, meu estado de origem e residência. Esta, porém, não é a realidade para o momento. Mesmo assim, a semente está lançada em terreno fértil e deve dar frutos positivos para a luta em defesa dos direitos e interesses de crianças e adolescentes de nosso país.

Portal Soteropreta – Qual é a sua expectativa em relação ao impacto que essa iniciativa pode ter e quais ações você realizará para ampliar esse alcance?

Anhamoná Brito – Eu e demais colaboradores do Instituto JusEsperança, organização que criei para atuar na esfera da educação para direitos humanos, estamos numa etapa de preparar o pré-lançamento do livro de maneira a apoiar a execução desta campanha. Para tanto, estamos concluindo um mapeamento de dados relativos às secretarias e órgãos diretamente vinculados aos conselhos tutelares, nos 50 municípios que priorizamos para a ação. Também estamos identificando estes conselhos e seus membros, já que nossa expectativa é de batermos a meta dos 655 exemplares entregues. Iremos fazer um contato direto com as Prefeituras, para dialogarmos não apenas sobre o livro, mas sobre algumas iniciativas que, sob o nosso ponto de vista, precisariam ser adotadas para o fortalecimento de uma pauta substantiva pró-infância no cenário municipal, a partir dos conselhos tutelares. No Manual, escrevemos um capítulo com o indicativo de ações estratégicas a serem adotadas na esfera desses conselhos, com o apoio dos CMDCAs para o fortalecimento de infâncias e adolescências dignas. Também apresentamos alguns modelos para o apoio das atividades rotineiras – peças jurídico-técnicas que traduzem, na prática, o que esses órgãos tem o papel de fazer.

O que estou querendo dizer é que as nossas estratégias para o fortalecimento dos conselhos tutelares transcendem a campanha para disponibilização de um exemplar do manual. Trata-se de um dever político que tenho assumido, com o apoio dos colaboradores do Instituto JusEsperança, de maneira bastante responsável e atenta.

Portal Soteropreta – Além da formação dos Conselheiros Tutelares, quais outras medidas você considera importantes para garantir esse impacto?

Anhamoná Brito – Na esfera da infância e da adolescência, o desafio é o de garantir, nos termos do ECA, uma atuação em rede das instituições, órgãos e serviços que integram o sistema de garantia de direitos das crianças e dos adolescentes. É fundamental que as secretarias de saúde, educação, segurança pública (inclusive com delegacias especializadas), assistência social, conselhos municipais das crianças e dos adolescentes, conselhos municipais da assistência social, conselhos tutelares, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, garantam uma atuação integral e especializada a este público e familiares, compartilhando informações e fluxos, de maneira a promover seus interesses de maneira holística e completa. Infelizmente, apesar de haver previsão legal, os dispositivos do ECA e de outras normas ainda não são efetivados, sobretudo nas cidades mais distantes da capital. Ainda existe muito preconceito com esta pauta, principalmente em face de um entendimento de que proteger este público significa dar “guarida à bandidagem futura”, o que não é correto nem deve ser aceito.

Os conselhos tutelares são uma parte importante de um sistema complexo e necessário, eles devem ser fortalecidos, mas não podemos perder o foco da necessidade de estabelecermos um funcionamento pleno e satisfatório do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Portal Soteropreta – Como as pessoas interessadas podem contribuir com essa causa e fazer parte da campanha de financiamento coletivo?

Anhamoná Brito – Para contribuir com a causa e fazer uma doação, basta acessar o site da campanha de financiamento coletivo.  Escolhi a plataforma Benfeitoria, porque ela permite que os doadores e toda a sociedade interessada acompanhe o fluxo das contribuições. Estamos quantificando que um exemplar (já incluindo o frete) sairá por 90 reais: este é o custo para apoiar a capacitação de um conselheiro/a tutelar, do total dos 665 que atuam nas 50 cidades mais violentas.

Realmente aposto que alcançaremos o objetivo e, se eventualmente não entregarmos o total de exemplares previstos inicialmente, os que forem entregues serão por mim considerados como uma vitória na luta em prol de infâncias e adolescências dignas em nosso país.

 

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#Opinião – Candaces: a comunidade das mulheres negras! Por Aline Lisbôa

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Esse texto será escrito na primeira pessoa do plural, como representação linguística da coletividade de quem escreve sobre e para uma comunidade que integro, a das mulheres negras.

Na sociedade Brasileira, somos nós quem interseccionamos o racismo e o sexismo que resulta em uma opressão danosa a nossa comunidade. Enfrentando esmagamentos sociais diários, temos sido historicamente marginalizadas, e abandonadas pelo sistema que nos oprime, fechando-nos portas, como estratégia e manutenção de privilégios.

Contudo, a negritude feminina, retoma a identidade construída através da ancestralidade que nos autoafirma, no Ocidente, onde protagonizamos, com força, lutas constantes na ocupação dos nossos lugares — lugares que nos foram tomados pelas opressões aos nossos corpos—

Sendo essa nossa luta coletiva, que exala potencialidades, ecoando nas vozes que alimentam toda a comunidade negra.

Como escreveu Bell Hooks, “A nossa luta não tem sido para emergir do silêncio para fala, mas para mudar a natureza e a direção da nossa fala…”

Se o lugar é o feminino, o nosso é negro, forte, sensível e potente.  Hoje escrevo, redundantemente sobre nós, caminhando com as Candaces, mulheres negras poderosas, da antiguidade na África subsaariana, que ocupavam lugar de destaque e poder no reino de Kush.

As que vieram antes, cujo sangue corre nas veias da negritude feminina que perpetua em luta, o estado de poder, subvertendo o lugar de opressão para o lugar de protagonismo e potencialidade.

Hoje saudamos as nossas candaces da Bahia, cujas produções alimentaram a luta de todo o nosso povo negro.

 

Aline Lisbôa, mulher negra, mãe solo, defensora das possibilidades acadêmicas de mães negras, graduda em Pedagogia- UNEB, pesquisadora em Racismo Estrutural, Educação e Relacões Étnico Raciais e Letramento Racial.

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Opinião

#ProsaPreta – Mulheres negras: existências revolucionárias! Por Lígia Santos Costa

Jamile Menezes

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mulher negra

Nesta comemoração às mulheres eu não vou chorar dores. Sei que são muitas feridas, mas, só por hoje, eu, mulher, só quero celebrar a existência, a minha e de todas outras as quais me uno em irmandade. Podem perguntar quais pessoas recebem essa denominação e a resposta que orienta o meu saber é que mulher é bicho gente que dá sentidos ao mundo.

Essa compreensão me faz lembrar do mito nagô sobre a criação do mundo. Nessa história, Olórum, Deus, delegou ao filho Obatalá, o princípio masculino, a importante tarefa de criar o mundo material e para tal missão entregou a ele o saco da existência que continha todas as coisas necessárias para a criação do mundo.

Obatalá, confiante da sua posicionalidade masculina de poder, decide não oferecer honrarias a Exu, aquele que tem o poder de abrir e fechar caminhos, conforme é dada deferência ou não a sua importância entre os orixás. A negativa de Obatalá à tradição o deixou por sua conta e sorte e, como consequência, não conseguiu cumprir a missão dada pelo pai e foi a sua irmã Odudua, princípio feminino, que assumiu a tarefa delegada a ele. Odudua observa, aprende, guarda e cumpre a tradição, alcançando o seu objetivo.

Nessa história a construção social atribuída à figura masculina de vigor e impetuosidade polariza com a figura feminina de obediência. Porém faço o convite para que abandonemos a dualidade força – mansidão, para que possamos compreender que as constituições masculinas e femininas, ao contrário de como foram construídas, guardam multiplicidades existenciais.

A multiplicidade existencial de estar no mundo, para Odudua, oportunizou a leitura do contexto da demanda que recebeu. E para nós, mulheres mortais, o que a sabedoria de que somos sujeitos múltiplos tem oportunizado? Justamente a capacidade de criar e recriar o mundo. De que maneira?

Ora, será preciso que puxemos uma cadeira para sentar e assim enumerarmos algumas transformações sociais protagonizadas por mulheres, precisaremos também de bastante tempo para contar as suas histórias. Mas por agora, quero falar de três mulheres que mais do que por opção, mas por necessidade se fizeram revolução no mundo. A primeira chama-se Cláudia Silva Ferreira ou como passou a ser conhecida “A mulher arrastada”.

No dia 14 de março deste ano, fará dez anos que Cláudia foi morta pela polícia militar do Rio de Janeiro, após ser atingida por dois tiros, um no pescoço e outro nas costas, e depois foi arrastada por 300 metros pela viatura policial. Mulher, negra, mãe de quatro filhos, auxiliar de serviços gerais saiu de casa para comprar pão e foi assassinada. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

A segunda é Verônica Alves Francisco, a Verônica Bolina, presa em 2017, acusada de agressão a uma vizinha. Foi encarcerada em uma unidade masculina, onde mordeu a orelha de um agente penitenciário e, como castigo, foi espancada, teve o seu cabelo raspado, foi despida, algemada e jogada no chão do pátio da penitenciária, onde foi fotografada e sua imagem divulgada em redes sociais.

Passados oitos anos, Verônica cumpre medida de segurança em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em São Paulo, após diagnóstico de psicose esquizo-afetivo (esquizofrenia e bipolaridade). Mulher, negra, transexual, encarcerada, pois sua condição por muito tempo foi lida como um caso de polícia e não de saúde mental. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

Elitânia de Souza da Hora é a terceira, estudante de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB, em Cachoeira na Bahia. Foi morta em 2019 pelo ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento. Elitânia, mulher, negra, vítima de feminicídio. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

Três mulheres, Cláudia, Verônica e Elitânia, revolucionaram o mundo, por, teimosamente, reivindicarem a própria existência. Cláudia, antes de ser tombada, resistia à lança que mirava o seu corpo negro e periférico que, assim como tantos outros, aumentava os índices do desemprego, da vulnerabilidade social e outros déficits sofridos por mulheres negras pela via do racismo. Verônica que, além de ser marcada pela mancha do racismo foi atingida pela transfobia, poderia ter se aprisionado e interpretado a masculinidade imposta pela sociedade, mas só pode ser o que é. Elitânia, desejosa por ser dona si mesma, assumiu a própria voz, adentrou à Academia levando a sua história e a dos seus.

A vivência de episódios, que em nada consideraram as suas subjetividades, por muitos é tratada como habitual e inerente à existência dessas mulheres, como comprovam dados estatísticos sobre homicídios, por exemplo.

Ser um alvo potencial afeta a mulher negra antes mesmo do ato de violência em si, pois estar no lugar de maior vitimizada aponta para o descaso social quanto a sua vida a qual é, sistematicamente, banalizada.

Além da constatação da violência, é preciso dar um passo adiante, observar e analisar como essa condição vem sendo estruturada. Quais imagens a sociedade constituiu sobre as mulheres negras? De que maneira as relações sociais estabelecidas a partir dessas imagens têm impactado a saúde psíquica dessas mulheres?

Patrícia Hill Collins em Pensamento feminista negro, ao pensar sobre os estereótipos colados à mulher negra, aponta para a compreensão de que essas construções não surgem de uma individualidade, como ainda hoje as bases sociais do racismo e do sexismo costumam disseminar.

A violência contra a mulher negra está pautada em moldes estruturais da sociedade e se ramifica constituindo diversas frentes, inclusive na construção de imagens que tendem a aprisionar essas mulheres em estereótipos que as desumanizam, como, por exemplo, o de forte que tudo sustenta e suporta, portanto mais distantes do humano e mais próximas da animalização, visão que as coloca apartadas das habilidades racionais.

A existência de Cláudia, Verônica e Elitânia atestam que só é possível ser o que se é. Quando mulheres negras se autorizam a ser quem são, contribuem para a concretização de um mundo de multiplicidades, onde cada pessoa vai se construindo em um criar-se e recriar-se por uma leitura constante do que se é no agora.

Este artigo é fruto de parceria entre o Soteroprosa e o Portal Soteropreta, juntos para fortalecer a visibilidade do pensamento negro na Bahia.

A Autora

Lígia Santos Costa é Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) – Universidade Federal da Bahia. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) – Universidade do Estado da Bahia. Professora de Literatura – Secretaria do Estado da Bahia; Psicóloga Gestalt-terapeuta e Psicopedagoga Clínica e Institucional.

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