Literatura
Sarau da Onça transforma bairro de Sussuarana a partir da Poesia


Foto: Lissandra Pedreira
A referência é o Sarau Bem Black, realizado em Salvador pelo Coletivo Blackitude do poeta Nelson Maca há sete anos e o Sarau da Cooperifa (SP). A idéia é de sete amigos que, vivendo no bairro de Sussuarana, resolveram contrariar as estatísticas de violência, pobreza e baixa autoestima que poderiam ser os únicos adjetivos deste bairro periférico, em Salvador.
A força vem na marca, com um felino de grande porte: a onça chamada suçuarana. Estamos falando do Sarau da Onça, que há cinco anos vem unindo jovens negros e negras em torno da poesia, da música e da vontade de transformar. O Sarau já é ponto de encontro de muitas atividades: lá rola apresentações musicais, leituras poéticas, tem parcerias com outras ações e realizadores culturais da região e de outras localidades da cidade, ocupando um lugar especial na vida da juventude que o faz e refaz todos os dias. Em entrevista, Sandro Ribeiro dos Santos – Sandro Sussuarana – um dos idealizadores do Sarau da Onça, produtor e articulador cultural do bairro, nos conta mais, confere:

Foto: Lissandra Pedreira
PortalSoteroPreta – “De nós para nós e por nós mesmos”. Porque a frase no site de vocês e como a Poesia se torna um instrumento nesta relação?
Sandro Sussuarana – Quando é a gente que faz por nós mesmos, sabemos que voltará de alguma forma, então fazemos com o máximo de respeito, carinho e amor. As pessoas começam a enxergar na Poesia uma forma de falar com liberdade e propriedade de suas questões, deixando de ser apenas ouvintes. Ela é um instrumento muito forte na periferia, em especial na Sussuarana.
PortalSoteroPreta – Como o Sarau se integra à comunidade de Sussuarana e vice-versa?
Sandro Sussuarana – Somos jovens moradores daqui, crescemos aqui, sabemos como tudo funciona. Fazer o Sarau de forma gratuita, o que possibilita que muitas outras pessoas tenham acesso a esse conhecimento. Queremos expandir isso, criar um referencial positivo para elas do lugar onde elas moram. A gente se integra assim, fazendo com que elas entendam que a Sussuarana é um local positivo, trazendo a boa visibilidade para o bairro, promovendo nelas o orgulho, a partir daí elas divulgam, participam.
PortalSoteroPreta – Sussuarana não é só violência, com o é estigmatizado, é também um potencial cultural?
Sandro Sussuarana – Sou professor de Capoeira, fiz Teatro há muito tempo. Temos tantos grupos culturais aqui que trabalham com a juventude, então porque na mídia é só o negativo? Tem o Centro da Pastoral Afro, onde nós fazemos o Sarau, que já tem um trabalho há mais de 14 anos, grupos de Teatro com mais 10 anos, grupo de Valsa com mais de 15 anos e grupo de Capoeira com mais de 30 anos de trabalho cultural na comunidade. Não queremos estigmatização de marginalidade. Não, nós resolvemos unir todos eles para modificar esta visibilidade para os próprios grupos e pros moradores, para que todos os enxerguem e os ouçam. A Sussuarana é um pólo cultural por conta desta essência dos grupos que aqui mantém seus trabalhos comunitários.
PortalSoteroPreta – Quais os desafios de manter este trabalho?
Sandro Sussuarana – O principal é o financeiro. Não trabalhamos com dinheiro, somos todos voluntários, mas precisamos de muita coisa que hoje contamos com ajuda de parceiros ou tiramos do nosso próprio bolso. Também não temos um centro cultural na comunidade, apesar de tantos grupos culturais. Não há um espaço pra organizar tudo isso no bairro. Além de tudo, temos as realidades de cada um de nós que produzimos o Sarau. Temos nossas vidas de estudos, trabalhos que, em muitos casos, nos impede de dedicar tudo que gostaríamos ao projeto.
PortalSoteroPreta – Mas dificuldades não barram o crescimento do Sarau, vocês já não são apenas de Sussuarana.
Sandro Sussuarana – Nestes cinco anos já fomos a vários locais na cidade, estado e país. Já estivemos na Região Metropolitana de Salvador, na Chapada Diamantina, Recôncavo, Feira de Santana, Serrinha, levando recital e oficinas de poesia. Lançamos nosso livro “O Diferencial da Favela: Poesias Quebradas de Quebrada!”, na 23ª Bienal de São Paulo, onde já estivemos também no Centro Cultural da Penha, no Sarau da Cooperifa, já fomos a Minas Gerais, Brasília e, recentemente, voltamos a Minas, onde participamos no Encontro Nacional do Levante Popular da Juventude. Foram mais de sete mil jovens, pudemos dialogar com uma juventude que quer mudar o país e foi uma experiência ímpar. Saímos com a certeza de que há muitos jovens que anseiam fazer o que a gente faz e não sabem como. Então fomos ajudar, dar esse direcionamento, e esperamos que tenhamos conseguido acender essa fagulha para que eles possam voltar pra suas cidades com mais desejos de mudança.

Foto: Lissandra Pedreira
PortalSoteroPreta – Quais são os planos do Sarau da Onça?
Sandro Sussuarana – Continuar e esperar que chegue aonde não chegou ainda, além de manter a relação onde já estivemos. Queremos expandir, fazer com que a periferia se reconheça mais enquanto detentora do poder de mudança, ir pra cima pela Poesia, mas também com a música, a dança, o teatro, nos estudos. Queremos que ela se arme com a arte de alguma forma pra alcançar as melhoras.

Foto: Sara Barreto
PortalSoteroPreta – O que dizer para jovens de outras comunidades que querem fazer alguma diferença em seus bairros?
Sandro Sussuarana – Que eles são capazes. Mas não só dizer isso da boca pra fora. Dizer e mostrar. Fazemos isso, mostramos que eles são capazes de contar suas próprias histórias, mudar suas vidas a partir deles mesmos, em qualquer lugar que eles estejam inseridos. Estamos aqui pra mostrar que quando acreditamos nisso, as coisas começaram a mudar prá nós.
O Sarau da Onça hoje é formado por Sandro Sussuarana, Evanilson Alves, Lissandra Pedreira, Gleise Souza, Brenda Gomes, Maiara Silva e Mateus Silva, mas também já teve Preta Mai e Emael Vieira, quando tudo começou. Atua nas dependências do Espaço CENPAH – Centro de Pastoral Afro, pertencente à Paróquia São Daniel Comboni, no bairro de Sussuarana (Novo Horizonte), em Salvador. Acompanhe esses jovens na Página no Facebook!
Mais informações:
O que: Sarau da Onça
Onde: Espaço CENPAH – Centro de Pastoral Afro – Rua Albino Fernandes, 59–C – Novo Horizonte – Sussuarana, Salvador-BA.
Quanto: Entrada Gratuita
Contatos: (71) 993315781 / 987464521 / saraudaonca@gmail.com
Literatura
Ilustrador Eddy Azuos abre vaquinha para lançar cordel inspirado no mestre Moa do Katendê

Um super-herói negro, capoeirista e com fortes raízes na cultura afro-baiana é o protagonista de “A Lenda do Badauê”, obra ilustrada e independente do artista Eddy Azuos, morador de Paripe, no subúrbio ferroviário de Salvador. O projeto, voltado ao público infantojuvenil, mistura literatura de cordel com elementos do mangá e homenageia a capoeira e o legado de mestre Moa do Katendê, símbolo da resistência cultural e política no Brasil. Para viabilizar a impressão dos primeiros 100 exemplares do cordel, o autor lançou uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Vaquinha. A ideia é distribuir o material, especialmente em espaços educativos, como forma de promover a cultura afro-brasileira e estimular o debate sobre identidade, preconceito e ancestralidade.
Super-herói de boina e sacolinha
Criado a partir da dor e da indignação provocadas pela violência política nas eleições de 2018 — especialmente o assassinato de mestre Moa —, o personagem de Eddy Azuos nasceu com traços fortes da identidade baiana: pele escura, cabelo dread, calça de capoeira e a icônica boina usada por Moa.
“Queria um herói preto, com nossa cara, que lutasse contra o mal”, explica o artista, que também é publicitário e designer.
O herói carrega uma sacolinha onde, segundo o autor, “podem estar seus poderes”. A história acompanha um grupo de moradores que, diante de um vírus que espalha ódio pela cidade de Salvador, recorre a uma lenda para invocar o Badauê e combater o mal.

Foto: Bruna Rocha
Capoeira, poesia e educação
Mais do que uma narrativa fantástica, o folheto é uma ferramenta educativa. Azuos pretende levar o cordel às escolas e estimular atividades que envolvam leitura compartilhada, debate sobre cultura e valorização da identidade negra. “O material fala contra o preconceito, sobre a capoeira, sobre a nossa cultura. Cita nomes de ruas, de golpes da capoeira, seria ótimo para trabalhar em sala de aula”, diz.
Inspirado por cursos de cordel e pela tradição oral, o artista optou por uma linguagem rimada, leve e acessível. “A poesia tira as pessoas daquela leitura maçante, prende pela métrica, pelos versos”, afirma.

Foto: Bruna Rocha
Publicação independente e desafios
Mesmo com o avanço de políticas públicas como a Lei 10.639/03, que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, obras com protagonismo negro ainda enfrentam barreiras no mercado editorial. A educadora e editora Ana Fátima, fundadora da Ereginga Educação, defende a importância de iniciativas como a de Azuos:
“Nossas crianças precisam se ver nas histórias como protagonistas. A literatura infantil afro-brasileira tem esse papel na construção da autoestima”, diz.
Ela destaca também a importância de autores independentes persistirem, mesmo diante das dificuldades. “Confie no seu processo criativo, busque leitores de confiança, faça cursos e participe de eventos literários. É possível romper com a hegemonia editorial”, aconselha.
Apoie o projeto
A vaquinha de Eddy Azuos está aberta para quem quiser apoiar a impressão de “A Lenda do Badauê”. Além de contribuir para a valorização da cultura baiana e da literatura negra, os apoiadores ajudam a colocar nas mãos de crianças e adolescentes uma história de resistência, afeto e identidade.
🔗 Acesse a vaquinha e saiba como apoiar clicando AQUI.
Fonte da reportagem: EntreBecos
Literatura
Editora Organismo celebra 12 anos com foco na literatura negra e independente

A Editora Organismo celebra seus 12 anos de atuação em 2025. Fundada de forma independente no bairro da Liberdade, em Salvador, a editora consolidou seu papel como uma das iniciativas voltadas à democratização do acesso à literatura negra e periférica.
Desde sua criação, a Organismo já publicou mais de 120 títulos, sendo mais de 80% de autoria negra, com protagonismo de mulheres. Suas obras já foram finalistas dos prêmios Jabuti e Oceanos, indicadas em vestibulares como o da UNEB e traduzidas internacionalmente, ampliando o alcance das narrativas negras brasileiras. Para marcar a data, a editora promove uma programação especial gratuita na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, reunindo autores, músicos e pesquisadores, e abrindo espaço para novos debates sobre a literatura negra contemporânea.
O lançamento do livro Modernismo Negro, de Jorge Augusto — poeta, professor e fundador da Organismo —, acontece no dia 17 de abril, às 19h. A obra propõe uma releitura da modernidade brasileira a partir de vozes negras e periféricas, tomando como referência a literatura de Lima Barreto. O livro é parte da coleção “NaEncruza”, publicada pela Editora Segundo Selo, braço editorial da Organismo.
O evento de estreia contará com pocket show de Silvana Carvalho e Daniel Santana, leitura de trechos da obra e um bate-papo com o autor e os convidados Fernanda Miranda, Henrique Freitas e Osmundo Pinho, com mediação da escritora Vânia Melo.
Encerrando as comemorações, no dia 22 de abril, será realizada a roda literária “Ciranda DasPretas: outros versos da Bahia”, com a presença das escritoras Silvana Carvalho, Anajara Tavares, Vânia Melo, Kota Gandaleci e Patrícia Silva. A mediação será feita pela professora Ana Carla Portela. O encontro celebra o legado coletivo e a força da escrita negra feminina baiana.
Publicar mulheres e jovens periféricos
De acordo com Jorge Augusto a ideia da editora ao perceber que, enquanto jovem negro periférico, não encontraria acolhimento nos veículos editoriais que existiam aquela época.
“não imaginava que algum jornal ou revista fosse publicar um bando de jovens periféricos que imaginavam que tinham coisas importantes a dizer sobre a literatura e a cidade”, afirma Augusto.
O escritor explicou que a proposta inicial era criar um circuito mais democrático de publicações, com revistas mais acessíveis para pessoas que, como ele, não se identificavam nem queriam fazer parte de uma cena literária tradicional já estabelecida. Foi com esse objetivo que surgiu a editora, acompanhada da revista Organismo e da coleção Novos Autores.
No entanto, segundo ele, logo ficou evidente que a demanda era muito maior do que o previsto, especialmente no que diz respeito à necessidade de publicações voltadas para autores negros e periféricos. A partir dessa constatação, decidiram criar a Editora Segundo Selo, como um braço editorial da Organismo. Com isso, houve uma mudança significativa na atuação da editora, que passou a publicar mais títulos, mantendo o compromisso com segmentos historicamente negligenciados pelas grandes editoras.
A editora Segundo Selo enfrenta obstáculos estruturais que dificultam sua atuação. A ausência de um parque gráfico competitivo no estado obriga a impressão dos livros em outras regiões, como São Paulo e Rio de Janeiro, gerando altos custos logísticos e perda de recursos locais.
Segundo Fernanda Santiago, sócia e editora, além do impacto financeiro, essa realidade compromete a autonomia da produção editorial baiana. Participar de eventos também não é tarefa simples — muitas vezes, a editora é deixada de fora, e quando incluída, ocupa espaços pouco acessíveis ou com baixa visibilidade.
O catálogo da Segundo Selo é composto majoritariamente por mulheres negras, o que expõe outro desafio: a dificuldade de inseri-las em grandes eventos literários. Fernanda aponta que autoras negras ainda são tratadas como exceção, e frequentemente, uma única escritora é escolhida como representante de um universo muito mais amplo e diverso.
Ela também questiona a aplicação de recursos públicos em eventos que pouco valorizam editoras independentes. “Somos nós que descobrimos grandes escritores, que investimos e acreditamos na potência do que é produzido não só por autores baianos, mas por escritores negros e periféricos”, afirma.
Apesar das barreiras, Fernanda reconhece que editais mais recentes têm sinalizado avanços no fortalecimento dessa produção, fruto de anos de resistência e articulação.
SERVIÇO
Agenda comemorativa – 12 anos da Editora Organismo
Local: Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Barris)
Horário: 19h
Entrada gratuita
17 de abril (quinta-feira)
Lançamento do livro “Modernismo Negro”, de Jorge Augusto
Pocket show: Silvana Carvalho e Daniel Santana
Leitura e bate-papo com convidados: Fernanda Miranda, Henrique Freitas e Osmundo Pinho. Mediação: Vânia Melo.
22 de abril (terça-feira)
Ciranda DasPretas: outros versos da Bahia
Com: Silvana Carvalho, Anajara Tavares, Vânia Melo, Kota Gandaleci e Patrícia Silva. Mediação: Ana Carla Portela.
Literatura
Midiã Noelle lança “Comunicação Antirracista” em Salvador

O livro “Comunicação Antirracista: um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares”, da jornalista e pesquisadora Midiã Noelle, chega a Salvador, sua terra natal, após estrear em São Paulo e passar por Brasília. O evento ocorre neste sábado (5), às 15h, na livraria LDM do Vitória Boulevard, no Corredor da Vitória, com mediação da jornalista Val Benvindo.
Publicado pela Editora Planeta, o livro propõe reflexões urgentes sobre como construir uma comunicação mais inclusiva e livre de preconceitos — indo além das redações e alcançando escolas, empresas, redes sociais, campanhas políticas e todos os espaços de convivência. Além dos lançamentos já realizados em São Paulo e Brasília, a agenda da autora inclui eventos confirmados em Nova York (EUA), como parte do evento Diálogos Antirracistas, promovido pelo projeto Seta, além de agenda prevista para o mês de maio em Recife e Rio de Janeiro.
Sobre o livro
Comunicação Antirracista é um guia acessível que apresenta caminhos e estratégias para tornar a comunicação cotidiana uma aliada da justiça racial. Midiã Noelle articula suas vivências pessoais e profissionais à sua formação acadêmica para traduzir o conceito de antirracismo de maneira prática e transformadora.
Com apresentação da pesquisadora e ativista afrodiaspórica Carla Akotirene, prefácio de Ana Flávia Magalhães Pinto, e quarta capa de Barbara Carine e Rosane Borges, a obra aborda temas como a deslegitimação histórica da população negra na comunicação, o impacto das narrativas racistas e a necessidade de ressignificar a forma como nos comunicamos.
Sobre a autora
Nascida no bairro da Liberdade, em Salvador, Midiã Noelle é mestra em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia e fundadora do Instituto Commbne. Atua há mais de 15 anos com comunicação estratégica em organizações do movimento negro, feminista, em agências das Nações Unidas e na gestão pública.
Foi reconhecida como uma das Mulheres Inspiradoras pela Think Olga (2016) e uma das 100 pessoas negras mais influentes dos países de língua portuguesa pelo prêmio Bantumen Powerlist 100 (2021).
Serviço
O quê: Lançamento do livro “Comunicação Antirracista” em Salvador
Quando: 5 de abril (sábado)
Horário: 15h
Onde: Livraria LDM do Vitória Boulevard – Corredor da Vitória, Salvador/BA
Mediação: Val Benvindo
Entrada: Gratuita