Literatura
Cidinha da Silva: entre crônicas e poemas
Em um fim de tarde quente de primavera baiana, a escritora e cronista Cidinha da Silva promoveu um bate-papo literário na aconchegante Boto Cor de Rosa Livros, Arte e Café, na Barra.
Para deixar o momento ainda mais especial, era dia de aniversário de Milton Nascimento, também mineiro e uma das grandes inspirações de Cidinha, que muitas vezes confessou enxergar mais a presença musical do que de grandes autores em sua obra.
Mediada pela professora Milena Britto, a conversa para um público de jovens mulheres e homens negros interessados em discutir a escrita, foi um verdadeiro passeio nestes mais de 20 anos de carreira e nove livros publicados por Cidinha.
Vivendo há mais de um ano em Salvador e tendo passado por São Paulo e Rio de Janeiro, a mineira, natural de Belo Horizonte, acumula publicações para crianças, crônicas, contos, livros de políticas públicas, e agora se prepara para lançar o primeiro livro de poesias. Uma ávida leitora de coisas boas, como faz questão de ressaltar, é uma das poucas pessoas que trabalham a crônica de uma maneira sensível e cuidadosa.
Um gênero consagrado no início do século XX até meados da década de 1980, a crônica era o carro-chefe dos grandes e finados jornais brasileiros. Nos dias atuais o estilo ganhou novos contornos na caneta de Cidinha, se transformando numa maneira diferente para falar das coisas cotidianas a partir de um olhar afrocentrado.
“Quando eu comecei a escrever mais seriamente, digamos assim, eu comecei pelas crônicas. Eu lia muitas crônicas quando criança. Eu sempre falo isso, eu conheci o Drummond cronista antes de conhecer o Drummond poeta.
Eu escrevia para um boletim eletrônico de 2005 para 2006 e naquele momento eu já tinha intenção de fazer crônica e achava que já era isso que fazia”, explica.
Com militância formada a partir do trabalho diário nos tempos de São Paulo no Geledés Instituto da Mulher Negra, fundado pela emblemática Sueli Carneiro, Cidinha da Silva teve aquele período de ativista refletido intensamente em sua escrita.
“Eu escrevia crônicas muito preocupadas. Eu era ativista de uma organização de mulheres negras e eu queria fazer um ativismo diferente, escrever fazendo um ativismo diferente. Aí eu fazia isso no boletim, até que as pessoas começaram a perguntar quando teria um livro. Daí eu achei que tinha mesmo material para um livro. Eu comecei pensando em fazer crônica e no processo fui burilando isso e essa escrita que era artivista passou a ser insuficiente,” diz encaixando as palavras de forma leve e sempre sorridente.
Há duas décadas escrevendo, Cidinha da Silva é uma mulher negra em trânsito e este movimento está contido nas páginas de suas publicações. Agora está prestes a lançar dois livros de escritas parecidas, mas distintas. O primeiro é Canções de Amor e Dengo, que como o título já adianta, vai falar sobre amor negro, afetividade e carinho, exercício necessário para a construção do sujeito negro em um país racista como o Brasil. Já o segundo, #ParemDeNosMatar, vai pelo caminho da resistência, mas de maneira poética, oferecendo a poesia e a crônicas como afagos para as famílias de vítimas da violência do Estado Brasileiro.
“A essência do racismo é minar a humanidade da pessoa descriminada. Eu, a medida que exercito a minha humanidade da forma mais plena e mais livre que possa, estou de fato, não como certos os jogadores de futebol, dando uma banana paro racismo.
“Tudo é exercício, experimentação. Procurar esse jeito de dizer. Esse meu livro novo de crônicas que se chama #ParemDeNosMatar tem diferentes estilos de crônicas, algumas com uma pegada de poesia forte, mesmo falando de temas que são duros. A crônica que eu fiz sobre o arrastamento Cláudia Ferreira é um texto bonito. É o mínimo que eu podia entregar a ela. Os jornais a chamavam de arrastada, nem a chamavam pelo primeiro nome,” salienta.
Residindo em uma cidade que abriga o maior número de negros do Brasil e um dos racismos mais evidentes do país, Cidinha da Silva afirma não ter absorvido muito da chamada baianidade, entretanto as andanças pelas ladeiras e ruas de Salvador a fizeram se certificar de uma coisa: o negro baiano não tem nada de preguiçoso, quebrando um pensamento ainda presente no imaginário de muitas pessoas.
“Sempre achei isso e agora vejo mais forte. As pessoas, principalmente as negras, trabalham muito nessa cidade, contrariamente ao mito da preguiça do baiano. O que talvez choque o Sudeste, de onde eu venho, embora seja a periferia do Sudeste, pois sou de Minas Gerais. O que talvez choque seja a coisa de saber viver, das figuras curtirem a noite toda e irem direto para o trabalho. Embora você encontre isso muito nas periferias de São Paulo, não é a tônica da cidade como é aqui.”
Literatura
Bruna Silva lança seu primeiro livro “Èsù Walê – O Caminho de Volta”
A poeta, cantora e mobilizadora cultural Bruna Silva, mulher preta e lésbica lança seu primeiro livro autoral de poesias “Èsù Walê – O Caminho de Volta”, no próximo dia 13 de janeiro, às 19h, na Casa do Benin. A obra terá distribuição gratuita de exemplares e a noite de lançamento contará com uma roda de conversa com Bruna Silva, o poeta e comunicólogo Marcelo Ricardo, a pesquisadora literária Amanda Julieta e o poeta performer Nelson Maca. E ainda, um pocket-show com Samba de Lua.
A publicação, que já está disponível em audiobook e conta com a direção de voz de Reinan Acioly, traz escritos encruzilhados nas ruas da periferia, para falar de afeto, força e da ancestralidade.
Uma de suas poesias, escrita em parceria com o poeta Evanilson Alves, fala: “A palavra é nossa arma / Contra toda opressão / A poesia que não se cala / Dá voz a toda uma geração / (…) / Nosso fazer vai além do artístico / É conhecimento, exemplo e motivação / Que a poesia toque os corações / E na perifa gere transformação”.
“As minhas poesias nascem e se fundamentam nas encruzilhadas, das ocupações do meu corpo, nas batalhas de slam, das pessoas que estão no meu entorno. Por isso, elas ganham às ruas, pois esse é o tempo-espaço delas. As escritas surgem a partir dos caminhos que sou e ocupo. O livro vem para afirmar que a minha arte é possível estar nesses lugares. Èsù Walê representa esse caminho que me diz onde, como e por que devo estar. E, principalmente, de onde não quero sair”, declara a poeta, que completa 10 anos de criação artística.
Ela realça que o livro mostra “aos meus” que é possível falar sobre o que acreditamos. “Que a partir da nossa arte e poesia é possível encontrar e aproximar pessoas. Por isso, lanço este livro, em que através das poesias e poemas descrevo o caminho que refaço para encontrar o sagrado, de dizer a Exu que estou aqui”.
Para a jornalista Vânia Dias, que presenteia o livro com um lindíssimo prefácio, através das poesias “é possível ouvir gritos e sussurros. Medos e coragens de quem se sabe malabarista da arte da sobre(escre)vivência”. E, se preciso for, quebra a rima, escreve poemas e poesias livre de amarras e ou de regras. “Na velocidade do vento, a menina Silva escreve como se, nesse encontro de páginas nuas, vestisse de palavras os cenários das ruas”, descreve Vânia Dias.
“Èsù Walê – O Caminho de Volta é um megafone para falar sobre as várias faces e demandas que nós pretos e de periferia lidamos durante a vida.
Em sua escrita posfácio, a pesquisadora literária Amanda Julieta descreve que Bruna Silva traz em seu livro “Uma poesia dita em pretuguês, como pontua Lélia Gonzalez, essa língua de encruzilhada, marcada pela africanidade; uma poesia feita com caneta e papel, mas também de voz, gestos, gritos, sorrisos, olhares, silêncios; uma poesia para ser compartilhada coletivamente, como um quilombo de palavras onde tudo que se dá se recebe, seguindo o princípio da reciprocidade de Èsù.”
O livro, dividido em quatro capítulos com 26 poemas no total, conta com ilustrações assinadas pelo artista Lee 27. A capa exusíaca foi desenhada por Maria Clara Duarte. O projeto gráfico do livro é de Duda Rievrs e a revisão é do poeta-performer Alex Simões. A direção e coordenação do projeto são de Igor Tiago (seu irmão) e de Herley Nunes, respectivamente.
O livro “Èsù Walê – Caminho de Volta” foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. A Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar n° 195, de 8 de julho de 2022.
Serviço
O quê – lançamento do livro de poesias Èsù Walê – O Caminho de Volta, de Bruna Silva
Quando – 13 de janeiro de 2025, 19h
Onde – Casa do Benin
Entrada – Gratuita, com distribuição de exemplares
Mais informações – @brunasilvapoesia
Literatura
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