Opinião
#SoteroRelato – Dôra Almeida, um desfile, 16 celebrações
Há quase sete dias, o Teatro Vila Velha recebeu mulheres diversas. Era o Espetáculo FAIYA que proporcionava ao público o encontro entre a Moda, a Literatura e a Música Negra. A concepção do projeto foi do ator, Jorge Washington e o brilho ficou por conta das 16 clientes da Negrif, liderada pela estilista Madalena Negrif, como é conhecida. A Madá. E, ao final, ela perguntou a uma destas 16 se ela tinha “gostado”. A resposta de Dôra Almeida foi…
Se eu gostei…Afff…muitooo!!
Parabenizo você, juntamente com Jorge e toda a equipe (costureiras, transportador, passadeira, maquiador, maquiadoras e produção envolvida) até a conclusão do objetivo final, o desfile. ARRASARAM!
E você, Madá, possibilitou o desabrochar de novas mulheres, a partir do potencial da arte da moda e tudo que ela envolve. Colaborando para a desconstrução de mitos, estereótipos, preconceitos que habitam o mundo da “moda negócio”, da “moda mercado”. Que servem à logica do capital e que, por seus interesses, impossibilitam a participação de uma diversidade maior de pessoas, a partir de exigências discriminatórias, seletivas que promovem exclusão.
E você, ousadamente, e a partir de um posicionar-se político tão caro, mas imprescindível para a atual conjuntura do Brasil, promoveu no palco do Teatro Vila Velha um verdadeiro resgate da grandiosidade que é a arte da moda.
Tão expropriada pela lógica do mercado. Levando para o palco mulheres negras acima dos 35 anos, com diversos tons de pele e de cabelos crespos, de constituição corporal e altura, com profissões diferenciadas e etc.
E nesse seu ousar, ao nos convidar para participar de um DESFILE, nos disse:”Vocês também podem ousar comigo, VAMOS… vocês também são lindas e poderosas, vocês também podem e devem estar na passarela!”
E nós, fomosssssssss, nos jogamos, abraçamos e realizamos. Você possibilitou um novo vir a ser às 16 mulheres, desde o recebimento do convite, o tirar de medidas, o ensaio..(risos). Nos levando ao palco, à passarela, ao camarim, à realidade de uma produção de moda, aos bastidores e ao mundo encantado e real de um teatro.
Esse momento histórico ficará nas nossas vidas por mexer com tantas questões, como: auto estima, auto imagem, compreensão e consciência corporal, tempo e espaço, receios, vontades, disponibilidade, compromisso, responsabilidade, consciência de classe e racial.
VOCÊ E NÓS BROCAMOS, é lógico, com a colaboração de muitas e muitos, inclusive da animadora de platéia, tão acolhedora. Você não tem noção de como foi importante todo esse processo para mim nesse momento da minha vida. A cada dia que passa, lhe admiro e respeito mais.
Você é uma grande referência para tantas outras pessoas, para as mulheres e, sobretudo, para as mulheres negras. Como defendia Vygotsky, “através dos outros nos tornamos nós mesmos”. E NÓS, MADAAAAAAAAAA… sabemos que só a partir de muitos de nós.
Muito Obrigada, Poderosa!
Viva as artes para além do capital!
Viva o eterno Pinduca e a arte da Palhaçaria!
Viva Mada e a arte da moda!
Viva as mulheres negras!
Viva as 16 mulheres que desfilaram!
Texto de Dôra Almeida – Professora de Educação Física, Pesquisadora e Musicoterapeuta. Dedica-se ao estudo das relações entre a Cultura Corporal e a Sociedade, a partir da do materialismo histórico dialético, da Psicologia Histórico Cultural e Pedagogia Histórico Crítica. Filha do Eterno Palhaço Pinduca e da Poderosa Dona Seré.
Fotos: Andréia Magnoni
Opinião
#Opinião: Desmistificando o Dia de Finados – Por Januário
Em Desmistificando o Dia das Bruxas, discutimos o real sentido dessa festa, desde o Antigo Paganismo até a sua cristianização. Abordamos também a mudança do Dia de Todos os Santos, antes celebrado em 13 de maio, para 1º de novembro, como inflexão histórica que aproximou o paganismo da mística cristã, já que o Halloween ocorre em 31 de outubro. Contudo, a 2 de novembro de 998, o Abade Odilo, na abadia beneditina de Cluny, França, instituiu essa data como emblemática para orar pelos mortos.
O gesto de Odilo contribuiu sobremaneira para o estreitamento paganismo-cristianismo, todavia, foi mais além, haja vista resgatar um dos aspectos centrais da visão católica: para chegar ao Paraíso, as almas deveriam cumprir estágio em um Plano de Purificação, o Purgatório. Nessa dimensão, os espíritos acolhem as orações dos vivos e a intercessão dos Santos, de Maria Santíssima e do próprio Mestre Maior, Jesus Cristo. Essa tradição se disseminou rapidamente e dos séculos X ao XV, orar pelos mortos se popularizou pela Europa a ponto de 2 de novembro ser denominado Dia de Todas as Almas. Na verdade, esse período é o legado deixado pelos cristãos primitivos: ante as perseguições do Império Romano, nos séculos II e III, eles fugiam para os subterrâneos de Roma, enterrando e orando por seus entes queridos.
A colonização das Américas popularizou o Dia de Todas as Almas, haja vista a imposição do catolicismo sobre os povos conquistados. No Brasil, encontramos essa data, ainda que secularizada, como um momento no qual muitos visitam os túmulos de parentes e amigos que já realizaram a viagem para o Astral. Flores, velas e orações são utilizados: as flores simbolizam a evolução espiritual, as velas representam o Caminho da Iluminação e as orações, a evocação da benção de Deus para que a pessoa morta alcance o descanso eterno.
Por essas práticas, percebemos a quantidade de paganismo no interior do cristianismo: o Festival de Samhain, marcando o fim da colheita e a chegada do inverno, era, para os celtas, o momento de retorno dos mortos para a Terra e uma ocasião para se comunicar com os espíritos. Se os celtas acendiam fogueiras e ofereciam bebidas e comidas para recepcionar os espíritos, encontramos nos ritos católicos a analogia de quem acredita ser possível rogar a Deus por quem já partiu.
Longe de defenestrar a fé católica, percebemos no Dia de Todos os Mortos, ou Finados, a oportunidade do diálogo universalista entre todas as crenças: na Umbanda são realizados louvores aos mortos, no Babá Egun, outra religião afro-brasileira, vemos os iniciados vestidos com eku, indumentária especial feita de tiras de pano bordadas, cantando em homenagem aos que já se foram. Em países do sudoeste asiático, encontramos pessoas celebrando a memória de seus ancestrais no Qingming, festiva anual em torno de 5 de abril. Nesta tradição, é também costume ir à templos orar pelos falecidos, além de queimar joss, considerado o dinheiro dos mortos.
O Dia das Bruxas ou Halloween, em paralelo com o Dia de Todas as Almas ou Finados, demonstra que religiões de cultos diversos compartilham da mesma crença: a importância de louvar os mortos. Isso comprova a origem única de todas as religiões do mundo, através da Religião-Sabedoria, A Ciência Secreta, ensinada pela Filosofia Hermética. Nesses termos, o racismo religioso encontra-se desamparado de qualquer racionalidade, haja vista todas as crenças terem uma base comum. Portanto, é tarefa da humanidade acolher a si mesma em suas aparentes diferenças, que, na verdade, são caminhos entrelaçados à Perfeição.
Armando Januário dos Santos é Trabalhador da Luz, Mestre em Psicologia, Psicólogo (CRP-03/20912) e Palestrante. WhatsApp: (71) 98108-4943 / Instagram: @januario.psicologo
Opinião
#Opinião: Ressignificando a Riqueza: Impacto do conhecimento negro no Empreendedorismo Atual – Por Luciane Reis
A economia contemporânea, centrada na acumulação de capital e exploração de recursos, enfrenta críticas por não promover um desenvolvimento sustentável e equitativo. Crises ambientais e desigualdades crescentes refletem um sistema que privilegia o materialismo e ignora valores humanos. Em contraste, as concepções africanas de prosperidade valorizam aspectos comunitários, espirituais e ecológicos, onde a terra é sagrada e a solidariedade e conexão ancestral são essenciais. Ressignificar essas ideias pode redefinir o sucesso econômico e impulsionar um empreendedorismo mais inclusivo.
Durante a colonização, essas visões foram marginalizadas, substituídas por um modelo focado na exploração de recursos e trabalho barato, que perpetuou desigualdades estruturais. Hoje, há uma necessidade urgente de descolonizar o pensamento econômico, reconhecendo que o modelo atual não é universal. As concepções africanas de prosperidade podem fundamentar um novo tipo de empreendedorismo, centrado em justiça social e equilíbrio ambiental, promovendo transformações práticas nos negócios.
Empreendimentos que priorizam a coletividade e a sustentabilidade podem trazer soluções inovadoras para problemas globais, como a crise ambiental. Empresas que adotam práticas agrícolas sustentáveis e modelos de economia circular, centrados no impacto social e na preservação ecológica, já se destacam como exemplos de inovação e resiliência.
Essas iniciativas refletem as teorias de pensadores negros que defendem a descolonização do conhecimento e a valorização das narrativas intelectuais racializadas. As soluções para os desafios africanos devem emergir de suas próprias comunidades, com base em seus valores e tradições. Descolonizar as narrativas econômicas não apenas recupera a dignidade dessas sociedades, mas também oferece ao mundo uma alternativa viável e necessária para um futuro mais justo e sustentável.
Incorporar valores africanos de solidariedade, respeito local e coletividade no processo de formação e conhecimento voltado para o empreendedorismo pode oferecer uma resposta eficaz à demanda por um modelo econômico mais humano. Isso requer que instituições e indivíduos adotem uma postura crítica em relação às práticas econômicas atuais, comprometendo-se com mudanças profundas.
A transformação institucional é essencial. Acemoglu e Robinson, em Por que as Nações Fracassam, afirmam que o desenvolvimento sustentável depende de instituições inclusivas. As estruturas excludentes, herdadas do colonialismo, a exemplo do Brasil, ainda limitam o acesso ao mercado e a participação política de economias racializadas. Para que o empreendedorismo baseado em valores africanos prospere, é necessário superar essas barreiras e implementar políticas públicas que promovam uma economia mais inclusiva.
Essa ressignificação das concepções africanas de riqueza e conhecimento não é um retorno ao passado, mas uma reconciliação com ele. Trata-se de reconhecer que as sociedades africanas têm muito a ensinar sobre prosperidade e bem-estar. Para que isso ocorra, é preciso um esforço coletivo para valorizar esses saberes e integrá-los às economias globais.
Construir uma economia global mais equitativa e sustentável depende da valorização das concepções teóricas e econômica africana de riqueza. Resgatar esses valores, marginalizados pela colonização e pelo capitalismo moderno, oferece uma oportunidade para práticas empresariais que priorizem o bem-estar comunitário e a sustentabilidade. O futuro do empreendedorismo deve incorporar princípios que promovam a justiça social, a preservação ambiental e o respeito à diversidade cultural, guiados pelas concepções africanas de prosperidade para um futuro mais próspero para todos.
Luciane Reis é comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, possui especialização em Produção de Conteúdo para Educação Online e mestrado em Desenvolvimento e Gestão Social pela UFBA. Trabalha em projetos que visam fortalecer o capital intelectual negro na economia do conhecimento, tem experiência em coordenação governamental e iniciativas sociais. Atualmente, desenvolve a plataforma Mercafro, promovendo inclusão e igualdade na economia do conhecimento.
Luciane Reis é Publicitária, Design Instrucional e Mestra em Desenvolvimento e Gestão Ciags – UFBA. Pesquisadora da História Econômica Negra
Opinião
#Opinião: Obatalá anuncia a Jitolu festa no Curuzu – Por Patrícia Bernardes Sousa
E quem nunca subiu a Ladeira do Curuzu e escutou que a coisa mais linda de se vê, era à saída do Bloco Afro Ilê Aiyê?! Vale lembrar que o bairro da Liberdade possui atualmente 600 mil moradores que se autodeclaram pretos e pardos em Salvador.
Ao longo de seus 50 anos de histórias bem contadas por quem já se profissionalizou nas oficinas, seminários e cursos deste bloco afro conhecido internacionalmente, poucos deste século entenderiam o porquê que uma filha de Obaluaê se tornaria pioneira e protagonista de uma das guerras mais sofridas e sangrentas em 1974, defendia com cânticos, ebós e orações o Bloco Afro Ilê Aiyê.
Eu, filha das águas doces, mulher preta, docente, pesquisadora, e da Comunicação sou nascida no final da ditadura (1977) e me peguei a refletir quão grande era a força de uma matriarca de Candomblé que ” batia de frente” com os grandes dirigentes da polícia e da política da época, para proteger o direito de voz e vez de seus filhos de sangue e seus filhos de coração associados a um bloco afro nascido numa ladeira e cheio de perseguições racistas declaradas publicamente.
Arrastando multidões ao longo dos anos, o orixá rei da Terra também trouxe o legado da paz de pai Oxalá para avenida, impondo aos ricos e “bem nascidos” da época a reflexão imposta por algo que já estava ” fora da nova ordem mundial”, já diria nosso ícone musical Caetano Veloso. Pombas brancas ao longo dos anos são lançadas aos céus bem como um “tapete” de milho branco é lançado no solo sagrado dos becos e vielas da Ladeira do Curuzu , por onde os tambores vibrantes e as cores marcantes das fantasias celebraram o maior ato quilombola a céu aberto com as bençãos ancestrais de pai Omolu e pai Oxalá. Exú, orixá da comunicação e guardião das ruas, declara o seu apoio ao proteger um bloco afro organizado por pretos e pretas e disponibilizados para pretos e pretas além mar.
Identidade racial, letramento, igualdade racial e equidade. Talvez, naquele momento, a matriarca Mãe Hilda só desejasse livrar seus filhos do “açoite” do cacetete e da amargura de uma cela suja de delegacia que os marginalizariam em cadastros públicos da época. Talvez ela, pequena notável Jitolu, não tivesse a noção exata que, a partir dali, milhões de turistas e baianos teriam a alegria de poder ter uma escolha no Carnaval de Salvador, no processo seletivo profissional, nas universidades públicas estaduais e federais, no direito ao voto democrático e ao professar a sua própria religião oriunda de uma África vista de forma pejorativa e desrespeitada naquele momento (e até hoje infelizmente).
Com cursos profissionalizantes que abarcam jovens entre 18 e 29 anos em seu “cortejo de liberdade” acadêmica e profissional, o Bloco Afro Ilê Aiyê celebra em 2024 a requalificação do seu espaço cultural que, ao invés de perpetuar o caos vivido pelos açoites dos tempos coloniais e até pandêmicos (2020/2023), se reinventa e abre suas portas para sediar eventos de afroempreendedorismo como a FUNAFRO 2024 e acolher as inscrições das suas novas candidatas a Beleza Negra 2025.
De um ilá de liberdade de escolha, para um ilê com sede nomeada em homenagem a milhões de irmãos e irmãs mortos num Pelourinho e em diversos bairros da capital baianos vistos como guetos ” aquilombados” reunidos apenas pela alegria de dançar, expressar sua opinião com relação aos seus direitos civis : a Senzala do Barro Preto.
Da batida do chicote para o toque do atabaque, o bloco Afro Ilê Aiyê chega ao Novembro Negro 2024 vivenciando re-existência com as bençãos do orixá Oxalá.
Crianças, jovens e adultos sabem que podem contar com a Senzala do Barro Preto, pois é lá que nasceu a esperança de poder dizer que somos um ” Ilê de Luz” e apesar de alguns acreditarem que ” somos ridículos ” e em olhos alheios” somos mau vistos ” , somos poesia, cultura identitária e ancestralidade que toca corações de trabalhadores e trabalhadores para além do Brasil.
O rei da Terra nunca nos deixa sem chão e com sua grandiosidade ainda nos permite plantar o nosso deburu (milho seco frito) e o nosso ebô ( milho branco) em doces águas.
Vida longa ao Bloco Afro Ilê Aiyê.
Mãe Hilda Jitolu, PRESENTE!
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.