Opinião
Goleiro Bruno: de assassino preso a goleiro disputado! – Por Suzana Batista
O goleiro Bruno, condenado a 22 anos e três meses de prisão por sequestro, morte e ocultação do cadáver da modelo Eliza Samudio (mãe de um filho seu), acertou com Boa Esporte por dois anos e volta a ser jogador profissional, disputando a série B do Campeonato Brasileiro.
Bruno deixou a Apac (Associação de Proteção e Assistência a Condenados), na cidade mineira de Santa Luzia, em 24 de fevereiro, graças a uma liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, tendo ficado preso por seis anos.
É difícil de entender como Bruno preso por seis anos, a menos de um mês em condicional, está empregado. E olha que vivemos em um momento de crise, o país está demitindo mais que contratando, são mais de 10 milhões de desempregados em todo Brasil.
Mesmo com muitos goleiros qualificados a espera de uma chance para mostrar seu talento em um time de futebol, essa oportunidade foi dada para um homem condenado a mais de duas décadas de prisão por matar, esquartejar e ocultar o corpo da mãe de seu filho.
Como um homem mata a mãe de seu filho de uma forma tão cruel e tem noves clubes interessados em contratá-lo? Em que sociedade vivemos, onde um assassino tem inúmeras propostas de emprego? Numa sociedade machista, patriarcal, capitalista e misógina.
Que diz “vamos dar uma chance para ele” e que chance Eliza teve? Que chance o filho de Bruno teve em conhecer e poder viver com sua mãe? Que chance a família de Samúdio tem em ver a justiça sendo feita? Já que um assassino condenado há 22 anos de prisão cumpre apenas seis e pronto!
Mesmo depois de tudo isso a sociedade está dividida. Uma parcela repudia sem hesitar a presença e permanência de Bruno em um time de futebol. Que referência ou exemplo ele pode dar para uma criança, uma família que vai a um estádio torcer pelo Boa Esporte Clube? Uma outra parcela da população fala em ressocialização. Tudo bem, depois de cumprir sua pena integral, talvez. Até porque nas aparições do goleiro nas mídias sociais ele não demonstra nenhum arrependimento e se nega a falar sobre o assunto.
Crueldade contra a mulher
Em território brasileiro, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875.
Na mesma década, foi registrado um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade branca e negra. Para o mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
Os feminicídios geralmente são cruéis e marcados por impossibilidade de defesa da vítima, torturas, mutilações e degradações do corpo e da memória (como ocorreu no caso de Eliza Samudio). E, na maioria das vezes, não se encerram com o assassinato.
Mantém-se pela impunidade e pela dificuldade do poder público em garantir a justiça às vítimas e a punição aos agressores, a exemplo do goleiro do Boa Esporte, condenado a 22 anos e em condicional depois de cumprir apenas 6 anos do total.
Reação popular
Após a contratação do goleiro ser oficializada, o clube mineiro foi alvo de críticas por parte dos internautas. O Boa Esporte já perdeu cinco patrocinadores, incluindo o principal, o Grupo Góis & Silva.
A última a anunciar a decisão foi a Kanza, na tarde desta segunda-feira, 13. Antes da Kanza, a Cardiocenter Varginha, a Magsul Ressonância Magnétic e a Nutrends Nutrition já haviam cancelado o patrocínio.
Um abaixo-assinado intitulado “Somos Todos Vítima Unidas” defende que o goleiro seja impedido de atuar no esporte e não possa requerer a guarda do filho que teve com Eliza. O menino também se chama Bruno e tem 7 anos. O documento já tem 32.410 assinaturas. Ele tem apoio de Sonia Fatima Moura, mãe de Eliza Samudio, e também foi assinado pela atriz Letícia Sabatella.
Suzana Santos Batista, Jornalista, jovem negra e feminista, capoeirista.
Opinião
#Opinião: Dando rum na educação construindo pontes sem dó – Por Patrícia Bernardes Sousa
Sim! Nem só o orixá toma “rum” no barracão da sua vida pessoal e profissional. Desde o início destes festejos do Novembro Negro 2024, a Bahia do poeta Castro Alves permitiu que a sua “concha acústica sonora” desse “rum” aos gestores de cultura, empresas privadas e simpatizantes empresariais da educação, letramento, teatro e arte-educação na capital baiana e no mundo.
Não deu “Dó” e ninguém deu “Ré” na compra de ingressos para vislumbrar o verdadeiro espetáculo vindo da troca de couros sagrados tocados pelos maestros dos mais diversos grupos culturais de Salvador. Com respeito e determinação legítima, ogãs, filhas de santo, ebomis, abiãs e yawos levaram a sua comunidade à visibilidade máxima ao entender que identidade racial e cultura identitária nasce na troca do couro e no lapidar na madeira para que o atabaque ecoe a nossa súplica.
Neste caso, a súplica foi ecoada sobe a batuta das águas de Oxalá e Nosso Senhor do Bonfim, que permitiram que a paz durante os eventos do G20, do cinquentenário do “Mais Belo dos Belos”, o Bloco Afro Ilê Aiyê e da cadência das Orquestras Afrobaianas, chegassem como perfume suave aos nossos ancestrais. Ninguém limpa couro com água salgada e é por isso que a alegria dos erês se fez e se faz presente em cada sorriso de vitória dos maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres.
Não se tem como ecoar “Mi-mi-mi” diante da grandiosidade na excelência dos ensaios e preparações com a cabaça de conhecimento presente na vida destes maestros. A Orquestra Afrosinfônica da Bahia e a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) dão “rum” a quem acredita que somos subnotificação e que não existe qualidade nos ouvidos musicais e musicados de quem não tem dinheiro pra comprar nem um violino, um trombone ou até mesmo um simples cotonete.
A fome cultural e orgânica de pessoas carentes de acolhimento estrutural em Salvador oferta o ilá (grito) que nos alerta da importância de mobilizar, sensibilizar e deliberar políticas públicas de captação de recursos que ofereçam “cabaças” de possibilidades de realização de sonhos educacionais e profissionalizantes ao invés de “cuias” que limitam o abastecimento de água para limpeza do corpo e da hidratação humana diária através destes projetos.
Crianças, jovens e adultos formam um “coro” regido por “couros” devidamente abençoados por pembas de lucidez e o suor salgado das águas que curam e libertam cabeças que não tinham sonhos seja na Liberdade, Itapuã, Candeal, Bairro da Paz, Pelourinho, Subúrbio Ferroviário e muitos outros pela Bahia e pelo Brasil.
Com espetáculos como “Sinfonia Terra Brasilis”, “Ponte Para a Comunidade – Orquestras Afrobaianas” e “ OSBArris”, as políticas sociais de Salvador ensinam aos seus gestores que a educação musical também é pioneira na arte ancestral dos ensinamentos orais que legitima a direção (rum) que são passados de mães solo, em sua maioria, para seus filhos, filhas e filhes.
Para atender ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, a Bahia vai precisar sair dos atuais 37% para 43% agora em 2024, chegando a 50% em 2025. A meta é alcançar 80% de sucesso até 2030. Subnotificações que chegam aos nossos ouvidos sem “dó” e quase obrigando gestores culturais como os maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres a dar “ré” na hora de colocar as suas apresentações com carência profunda como uma concha nas profundezas do mar da Baía de Todos os Santos. 34 mil estudantes, entre 18 e 24 anos são analfabetos na Bahia, segundo dados do IBGE.
Das cordas e dos couros de instrumentos musicais ainda podemos promover notas musicais e notas máximas que ecoem aprovações de crianças e jovens carentes pelo Brasil. Na Bahia, 77 em cada 100 crianças e adolescentes vivem na pobreza em suas múltiplas dimensões, afirma o Unicef. Esse sim é o verdadeiro espetáculo que vislumbramos aplaudir: a erradicação da fome e da pobreza através do “rum” na gestão pública sucateada de nosso país. Uma verdadeira proclamação da República de Direitos Humanos.
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.
Opinião
#Opinião: Novembro Negro e o Mito da Meritocracia: Um Convite à Reflexão – Por Luciane Reis
O Novembro Negro nos convida, anualmente, a revisitar a história, reavaliar estruturas e reafirmar lutas pela igualdade racial. Nesse contexto, a discussão sobre a meritocracia se torna urgente, pois essa ideia, muitas vezes celebrada como símbolo de justiça social, carrega as marcas de um pensamento colonial que perpetua desigualdades.
A meritocracia pressupõe que todos partem do mesmo ponto na corrida pelo sucesso, ignorando as distâncias impostas por séculos de exclusão. É como esperar que dois corredores compitam em igualdade enquanto um carrega o peso da história em suas costas. No Brasil, onde a escravidão moldou as bases econômicas, sociais e culturais, a meritocracia funciona mais como uma cortina que esconde privilégios do que como um mecanismo de equidade.
Esse sistema, aparentemente neutro, ignora que o acesso à educação, saúde e oportunidades profissionais sempre foi condicionado por cor e classe social. Para quem descende de uma trajetória de exploração, a realidade é outra: os degraus da mobilidade social são mais altos e escorregadios. O pensamento colonial que estruturou o Brasil não apenas determinou quem teria acesso à terra, ao poder e ao conhecimento, mas também deixou como legado uma lógica que naturaliza a exclusão.
Novembro Negro é um tempo para questionar essa narrativa. Quando celebramos Zumbi dos Palmares, Dandara e tantos outros ícones da resistência, estamos também desafiando a ideia de que as conquistas são individuais. O sucesso negro no Brasil nunca foi apenas mérito pessoal; é fruto de uma luta coletiva, travada contra um sistema que se reinventa para manter privilégios.
Superar o mito da meritocracia exige ir além de reconhecer desigualdades. Precisamos de políticas que reparem os danos históricos, ações afirmativas que nivelam o campo de oportunidades e, acima de tudo, coragem para repensar nossos valores. A verdadeira justiça não é um pódio onde poucos chegam, mas uma estrada onde todos podem caminhar juntos.
Que este Novembro Negro nos inspire a abandonar os mitos que aprisionam e a construir um país onde o mérito seja medido pela força do coletivo, e não pela manutenção de privilégios disfarçados de igualdade.
Luciane Reis é Comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, especialista em Produção de Conteúdo para Educação e mestra em Desenvolvimento e Gestão pela UFBA e CEO Mercafro
Opinião
#Opinião: Desmistificando o Dia de Finados – Por Januário
Em Desmistificando o Dia das Bruxas, discutimos o real sentido dessa festa, desde o Antigo Paganismo até a sua cristianização. Abordamos também a mudança do Dia de Todos os Santos, antes celebrado em 13 de maio, para 1º de novembro, como inflexão histórica que aproximou o paganismo da mística cristã, já que o Halloween ocorre em 31 de outubro. Contudo, a 2 de novembro de 998, o Abade Odilo, na abadia beneditina de Cluny, França, instituiu essa data como emblemática para orar pelos mortos.
O gesto de Odilo contribuiu sobremaneira para o estreitamento paganismo-cristianismo, todavia, foi mais além, haja vista resgatar um dos aspectos centrais da visão católica: para chegar ao Paraíso, as almas deveriam cumprir estágio em um Plano de Purificação, o Purgatório. Nessa dimensão, os espíritos acolhem as orações dos vivos e a intercessão dos Santos, de Maria Santíssima e do próprio Mestre Maior, Jesus Cristo. Essa tradição se disseminou rapidamente e dos séculos X ao XV, orar pelos mortos se popularizou pela Europa a ponto de 2 de novembro ser denominado Dia de Todas as Almas. Na verdade, esse período é o legado deixado pelos cristãos primitivos: ante as perseguições do Império Romano, nos séculos II e III, eles fugiam para os subterrâneos de Roma, enterrando e orando por seus entes queridos.
A colonização das Américas popularizou o Dia de Todas as Almas, haja vista a imposição do catolicismo sobre os povos conquistados. No Brasil, encontramos essa data, ainda que secularizada, como um momento no qual muitos visitam os túmulos de parentes e amigos que já realizaram a viagem para o Astral. Flores, velas e orações são utilizados: as flores simbolizam a evolução espiritual, as velas representam o Caminho da Iluminação e as orações, a evocação da benção de Deus para que a pessoa morta alcance o descanso eterno.
Por essas práticas, percebemos a quantidade de paganismo no interior do cristianismo: o Festival de Samhain, marcando o fim da colheita e a chegada do inverno, era, para os celtas, o momento de retorno dos mortos para a Terra e uma ocasião para se comunicar com os espíritos. Se os celtas acendiam fogueiras e ofereciam bebidas e comidas para recepcionar os espíritos, encontramos nos ritos católicos a analogia de quem acredita ser possível rogar a Deus por quem já partiu.
Longe de defenestrar a fé católica, percebemos no Dia de Todos os Mortos, ou Finados, a oportunidade do diálogo universalista entre todas as crenças: na Umbanda são realizados louvores aos mortos, no Babá Egun, outra religião afro-brasileira, vemos os iniciados vestidos com eku, indumentária especial feita de tiras de pano bordadas, cantando em homenagem aos que já se foram. Em países do sudoeste asiático, encontramos pessoas celebrando a memória de seus ancestrais no Qingming, festiva anual em torno de 5 de abril. Nesta tradição, é também costume ir à templos orar pelos falecidos, além de queimar joss, considerado o dinheiro dos mortos.
O Dia das Bruxas ou Halloween, em paralelo com o Dia de Todas as Almas ou Finados, demonstra que religiões de cultos diversos compartilham da mesma crença: a importância de louvar os mortos. Isso comprova a origem única de todas as religiões do mundo, através da Religião-Sabedoria, A Ciência Secreta, ensinada pela Filosofia Hermética. Nesses termos, o racismo religioso encontra-se desamparado de qualquer racionalidade, haja vista todas as crenças terem uma base comum. Portanto, é tarefa da humanidade acolher a si mesma em suas aparentes diferenças, que, na verdade, são caminhos entrelaçados à Perfeição.
Armando Januário dos Santos é Trabalhador da Luz, Mestre em Psicologia, Psicólogo (CRP-03/20912) e Palestrante. WhatsApp: (71) 98108-4943 / Instagram: @januario.psicologo