Opinião
#OpinãoPreta – Os tambores rufaram, salve o furacão da Bahia!!
Domingo, voltando do trabalho, alguém no metrô puxou algumas cantigas do Olodum. Qual não foi minha surpresa, ver todo metrô respondendo aos hits desse furação que toma nossa vida de maneira única. Estava aqui pensando o que para cada olodúnico significa esse “se tornar patrimônio imaterial” e, acima de tudo, ter seu festival de música institucionalizado?
Construir o projeto Olodum, é uma batalha constante de conscientização, não somente de quem não o conhece, mas acima de tudo de quem o curte. Não falamos somente de um bloco, mas de uma filosofia de vida com seus ritos, acordos e religiosidade africana, que se mostram presentes a cada tema trabalhado.
Só quem vai ao Olodum domingo ou sai às sextas de Carnaval, sabe do que estou falando. O Olodum é uma banda que se escuta tanto nos grandes prédios onde a população negra habita, como nas periferias violentadas cotidianamente. Estamos falando de uma banda que – diferente do imaginário social – possui uma relação muito forte de compromisso e respeito com o combate às opressões.
Estamos falando de patrimônio social constituído em torno de um amor único, o Bloco Afro Olodum, e possui uma relação de irmandade medida no monitoramento um do outro para saber se chegou bem após cada ensaio e não foi abatido pelo racismo institucional cotidiano em nossa vida.
“Pular” corda do Olodum na sexta, por exemplo, é um destes momentos ímpares do bloco. É na sexta de carnaval que o “furacão da Bahia” se encontra com aqueles cujos momentos de celebração não fazem sentido se na trilha sonora não tocar “nossa porra”, forma como se referem à banda. Tornar o Olodum imaterial é reconhecer uma instituição que não é somente um bloco, mas que de maneira política e cultural faz a transformação através da Escola Olodum, de eventos de formação de professores para uso da 10. 639, dentre outros.
Estamos falando da imaterialidade de uma instituição, que combate a escravidão mental e o racismo institucional que nos atinge diariamente. Ele é imaterial porque agrega um público que, historicamente, carrega o estigma de criminoso, ainda que faça seus “corres” honestos durante todo o ano.
Portando, esse reconhecimento é o primeiro passo para construção de um respeito perdido. O Olodum vem resignificando seus passos a duras penas e, como dizia Germano, “Não somos mais aqueles”. Mudamos. Somos historiadores, publicitários, advogados, empresários. Somos pedreiros, carpinteiros, ambulantes, empregadas domésticas, marginalizados e excluídos. Agradeço todos os dias ao meu amigo amado, Marcelo Gentil, por me fazer voltar a beber desta energia que emana de forma única sua resistência e existência. Graças a ele, pude voltar a ver o Olodum que muitos se recusam a ver.
A institucionalização do festival é a valorização dos tambores, seus vocalistas e, acima de tudo, da história africana – que vem em cada letra puxada e respondida por vozes sintonizadas – como uma veia sanguínea. É a proteção do pulsar negro que se faz presente em cada ensaio, junto a pessoas que o estado não dialoga e que consolida o mesmo como um espaço de agregação independente de como se chega. Damos nós em madeira e levantamos poeira, já dizia nosso poeta Lazinho. Vida longa ao furação da Bahia.
Luciane Reis é publicitária, pesquisadora de etno desenvolvimento e negócios inclusivos, idealizadora do Merc’Afro e acima de tudo OLODÚNICA.
Opinião
#Opinião: Desmistificando o Dia de Finados – Por Januário
Em Desmistificando o Dia das Bruxas, discutimos o real sentido dessa festa, desde o Antigo Paganismo até a sua cristianização. Abordamos também a mudança do Dia de Todos os Santos, antes celebrado em 13 de maio, para 1º de novembro, como inflexão histórica que aproximou o paganismo da mística cristã, já que o Halloween ocorre em 31 de outubro. Contudo, a 2 de novembro de 998, o Abade Odilo, na abadia beneditina de Cluny, França, instituiu essa data como emblemática para orar pelos mortos.
O gesto de Odilo contribuiu sobremaneira para o estreitamento paganismo-cristianismo, todavia, foi mais além, haja vista resgatar um dos aspectos centrais da visão católica: para chegar ao Paraíso, as almas deveriam cumprir estágio em um Plano de Purificação, o Purgatório. Nessa dimensão, os espíritos acolhem as orações dos vivos e a intercessão dos Santos, de Maria Santíssima e do próprio Mestre Maior, Jesus Cristo. Essa tradição se disseminou rapidamente e dos séculos X ao XV, orar pelos mortos se popularizou pela Europa a ponto de 2 de novembro ser denominado Dia de Todas as Almas. Na verdade, esse período é o legado deixado pelos cristãos primitivos: ante as perseguições do Império Romano, nos séculos II e III, eles fugiam para os subterrâneos de Roma, enterrando e orando por seus entes queridos.
A colonização das Américas popularizou o Dia de Todas as Almas, haja vista a imposição do catolicismo sobre os povos conquistados. No Brasil, encontramos essa data, ainda que secularizada, como um momento no qual muitos visitam os túmulos de parentes e amigos que já realizaram a viagem para o Astral. Flores, velas e orações são utilizados: as flores simbolizam a evolução espiritual, as velas representam o Caminho da Iluminação e as orações, a evocação da benção de Deus para que a pessoa morta alcance o descanso eterno.
Por essas práticas, percebemos a quantidade de paganismo no interior do cristianismo: o Festival de Samhain, marcando o fim da colheita e a chegada do inverno, era, para os celtas, o momento de retorno dos mortos para a Terra e uma ocasião para se comunicar com os espíritos. Se os celtas acendiam fogueiras e ofereciam bebidas e comidas para recepcionar os espíritos, encontramos nos ritos católicos a analogia de quem acredita ser possível rogar a Deus por quem já partiu.
Longe de defenestrar a fé católica, percebemos no Dia de Todos os Mortos, ou Finados, a oportunidade do diálogo universalista entre todas as crenças: na Umbanda são realizados louvores aos mortos, no Babá Egun, outra religião afro-brasileira, vemos os iniciados vestidos com eku, indumentária especial feita de tiras de pano bordadas, cantando em homenagem aos que já se foram. Em países do sudoeste asiático, encontramos pessoas celebrando a memória de seus ancestrais no Qingming, festiva anual em torno de 5 de abril. Nesta tradição, é também costume ir à templos orar pelos falecidos, além de queimar joss, considerado o dinheiro dos mortos.
O Dia das Bruxas ou Halloween, em paralelo com o Dia de Todas as Almas ou Finados, demonstra que religiões de cultos diversos compartilham da mesma crença: a importância de louvar os mortos. Isso comprova a origem única de todas as religiões do mundo, através da Religião-Sabedoria, A Ciência Secreta, ensinada pela Filosofia Hermética. Nesses termos, o racismo religioso encontra-se desamparado de qualquer racionalidade, haja vista todas as crenças terem uma base comum. Portanto, é tarefa da humanidade acolher a si mesma em suas aparentes diferenças, que, na verdade, são caminhos entrelaçados à Perfeição.
Armando Januário dos Santos é Trabalhador da Luz, Mestre em Psicologia, Psicólogo (CRP-03/20912) e Palestrante. WhatsApp: (71) 98108-4943 / Instagram: @januario.psicologo
Opinião
#Opinião: Ressignificando a Riqueza: Impacto do conhecimento negro no Empreendedorismo Atual – Por Luciane Reis
A economia contemporânea, centrada na acumulação de capital e exploração de recursos, enfrenta críticas por não promover um desenvolvimento sustentável e equitativo. Crises ambientais e desigualdades crescentes refletem um sistema que privilegia o materialismo e ignora valores humanos. Em contraste, as concepções africanas de prosperidade valorizam aspectos comunitários, espirituais e ecológicos, onde a terra é sagrada e a solidariedade e conexão ancestral são essenciais. Ressignificar essas ideias pode redefinir o sucesso econômico e impulsionar um empreendedorismo mais inclusivo.
Durante a colonização, essas visões foram marginalizadas, substituídas por um modelo focado na exploração de recursos e trabalho barato, que perpetuou desigualdades estruturais. Hoje, há uma necessidade urgente de descolonizar o pensamento econômico, reconhecendo que o modelo atual não é universal. As concepções africanas de prosperidade podem fundamentar um novo tipo de empreendedorismo, centrado em justiça social e equilíbrio ambiental, promovendo transformações práticas nos negócios.
Empreendimentos que priorizam a coletividade e a sustentabilidade podem trazer soluções inovadoras para problemas globais, como a crise ambiental. Empresas que adotam práticas agrícolas sustentáveis e modelos de economia circular, centrados no impacto social e na preservação ecológica, já se destacam como exemplos de inovação e resiliência.
Essas iniciativas refletem as teorias de pensadores negros que defendem a descolonização do conhecimento e a valorização das narrativas intelectuais racializadas. As soluções para os desafios africanos devem emergir de suas próprias comunidades, com base em seus valores e tradições. Descolonizar as narrativas econômicas não apenas recupera a dignidade dessas sociedades, mas também oferece ao mundo uma alternativa viável e necessária para um futuro mais justo e sustentável.
Incorporar valores africanos de solidariedade, respeito local e coletividade no processo de formação e conhecimento voltado para o empreendedorismo pode oferecer uma resposta eficaz à demanda por um modelo econômico mais humano. Isso requer que instituições e indivíduos adotem uma postura crítica em relação às práticas econômicas atuais, comprometendo-se com mudanças profundas.
A transformação institucional é essencial. Acemoglu e Robinson, em Por que as Nações Fracassam, afirmam que o desenvolvimento sustentável depende de instituições inclusivas. As estruturas excludentes, herdadas do colonialismo, a exemplo do Brasil, ainda limitam o acesso ao mercado e a participação política de economias racializadas. Para que o empreendedorismo baseado em valores africanos prospere, é necessário superar essas barreiras e implementar políticas públicas que promovam uma economia mais inclusiva.
Essa ressignificação das concepções africanas de riqueza e conhecimento não é um retorno ao passado, mas uma reconciliação com ele. Trata-se de reconhecer que as sociedades africanas têm muito a ensinar sobre prosperidade e bem-estar. Para que isso ocorra, é preciso um esforço coletivo para valorizar esses saberes e integrá-los às economias globais.
Construir uma economia global mais equitativa e sustentável depende da valorização das concepções teóricas e econômica africana de riqueza. Resgatar esses valores, marginalizados pela colonização e pelo capitalismo moderno, oferece uma oportunidade para práticas empresariais que priorizem o bem-estar comunitário e a sustentabilidade. O futuro do empreendedorismo deve incorporar princípios que promovam a justiça social, a preservação ambiental e o respeito à diversidade cultural, guiados pelas concepções africanas de prosperidade para um futuro mais próspero para todos.
Luciane Reis é comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, possui especialização em Produção de Conteúdo para Educação Online e mestrado em Desenvolvimento e Gestão Social pela UFBA. Trabalha em projetos que visam fortalecer o capital intelectual negro na economia do conhecimento, tem experiência em coordenação governamental e iniciativas sociais. Atualmente, desenvolve a plataforma Mercafro, promovendo inclusão e igualdade na economia do conhecimento.
Luciane Reis é Publicitária, Design Instrucional e Mestra em Desenvolvimento e Gestão Ciags – UFBA. Pesquisadora da História Econômica Negra
Opinião
#Opinião: Obatalá anuncia a Jitolu festa no Curuzu – Por Patrícia Bernardes Sousa
E quem nunca subiu a Ladeira do Curuzu e escutou que a coisa mais linda de se vê, era à saída do Bloco Afro Ilê Aiyê?! Vale lembrar que o bairro da Liberdade possui atualmente 600 mil moradores que se autodeclaram pretos e pardos em Salvador.
Ao longo de seus 50 anos de histórias bem contadas por quem já se profissionalizou nas oficinas, seminários e cursos deste bloco afro conhecido internacionalmente, poucos deste século entenderiam o porquê que uma filha de Obaluaê se tornaria pioneira e protagonista de uma das guerras mais sofridas e sangrentas em 1974, defendia com cânticos, ebós e orações o Bloco Afro Ilê Aiyê.
Eu, filha das águas doces, mulher preta, docente, pesquisadora, e da Comunicação sou nascida no final da ditadura (1977) e me peguei a refletir quão grande era a força de uma matriarca de Candomblé que ” batia de frente” com os grandes dirigentes da polícia e da política da época, para proteger o direito de voz e vez de seus filhos de sangue e seus filhos de coração associados a um bloco afro nascido numa ladeira e cheio de perseguições racistas declaradas publicamente.
Arrastando multidões ao longo dos anos, o orixá rei da Terra também trouxe o legado da paz de pai Oxalá para avenida, impondo aos ricos e “bem nascidos” da época a reflexão imposta por algo que já estava ” fora da nova ordem mundial”, já diria nosso ícone musical Caetano Veloso. Pombas brancas ao longo dos anos são lançadas aos céus bem como um “tapete” de milho branco é lançado no solo sagrado dos becos e vielas da Ladeira do Curuzu , por onde os tambores vibrantes e as cores marcantes das fantasias celebraram o maior ato quilombola a céu aberto com as bençãos ancestrais de pai Omolu e pai Oxalá. Exú, orixá da comunicação e guardião das ruas, declara o seu apoio ao proteger um bloco afro organizado por pretos e pretas e disponibilizados para pretos e pretas além mar.
Identidade racial, letramento, igualdade racial e equidade. Talvez, naquele momento, a matriarca Mãe Hilda só desejasse livrar seus filhos do “açoite” do cacetete e da amargura de uma cela suja de delegacia que os marginalizariam em cadastros públicos da época. Talvez ela, pequena notável Jitolu, não tivesse a noção exata que, a partir dali, milhões de turistas e baianos teriam a alegria de poder ter uma escolha no Carnaval de Salvador, no processo seletivo profissional, nas universidades públicas estaduais e federais, no direito ao voto democrático e ao professar a sua própria religião oriunda de uma África vista de forma pejorativa e desrespeitada naquele momento (e até hoje infelizmente).
Com cursos profissionalizantes que abarcam jovens entre 18 e 29 anos em seu “cortejo de liberdade” acadêmica e profissional, o Bloco Afro Ilê Aiyê celebra em 2024 a requalificação do seu espaço cultural que, ao invés de perpetuar o caos vivido pelos açoites dos tempos coloniais e até pandêmicos (2020/2023), se reinventa e abre suas portas para sediar eventos de afroempreendedorismo como a FUNAFRO 2024 e acolher as inscrições das suas novas candidatas a Beleza Negra 2025.
De um ilá de liberdade de escolha, para um ilê com sede nomeada em homenagem a milhões de irmãos e irmãs mortos num Pelourinho e em diversos bairros da capital baianos vistos como guetos ” aquilombados” reunidos apenas pela alegria de dançar, expressar sua opinião com relação aos seus direitos civis : a Senzala do Barro Preto.
Da batida do chicote para o toque do atabaque, o bloco Afro Ilê Aiyê chega ao Novembro Negro 2024 vivenciando re-existência com as bençãos do orixá Oxalá.
Crianças, jovens e adultos sabem que podem contar com a Senzala do Barro Preto, pois é lá que nasceu a esperança de poder dizer que somos um ” Ilê de Luz” e apesar de alguns acreditarem que ” somos ridículos ” e em olhos alheios” somos mau vistos ” , somos poesia, cultura identitária e ancestralidade que toca corações de trabalhadores e trabalhadores para além do Brasil.
O rei da Terra nunca nos deixa sem chão e com sua grandiosidade ainda nos permite plantar o nosso deburu (milho seco frito) e o nosso ebô ( milho branco) em doces águas.
Vida longa ao Bloco Afro Ilê Aiyê.
Mãe Hilda Jitolu, PRESENTE!
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.