Opinião
#Entrevista – Anhamoná Brito fala sobre atuação dos Conselhos Tutelares

A autora do livro, Anhamoná Brito atuou em diferentes cargos públicos no Estado e na esfera federal, dentre eles o de Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia (2009/2011), Secretária de Políticas de Ações Afirmativas da SEPPIR, (2011/2012), Superintendente de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos do Estado da Bahia (2015/2016); e Coordenadora Geral do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Estado da Bahia (2020/2022). O” Manual avançado para atuação de conselheir@s tutelares” é uma obra voltada à reflexão, conscientização, informação e instrumentalização cidadã para a garantia e defesa de direitos de crianças e adolescentes. Confira entrevista:
Portal Soteropreta – Qual o motivo que a levou à campanha de financiamento coletivo para apoiar a formação destes Conselheiros Tutelares?
Anhamoná Brito – A nossa ação trata-se de um financiamento coletivo para contribuir com a formação continuada dos 655 conselheiros/as tutelares em atividade nas 50 cidades mais índices de mortes violentas no país, garantindo-lhes 655 exemplares (um para cada conselheiro/a tutelar de cada uma dessas cinquenta cidades) do “Manual Avançado para a Atuação de Conselheir@s Tutelares”, que é uma obra de minha autoria. A escolha das cidades justifica-se porque a elevação dos casos de homicídios, latrocínios e instigação a suicídio é a ponta do iceberg de um processo de desigualdades e afetações sistêmicas, que também vitimizam as crianças e adolescentes que residem nas áreas mais violentas do país. De acordo com o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública – Edição de 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – cujos dados subsidiaram a escolha das cidades priorizadas pelo financiamento coletivo – o nosso país vive um processo de elevação de várias formas de violências contra crianças e adolescentes, com expressivo aumento no número de casos ao longo do ano de 2022. O crime de exploração sexual foi o que sofreu maior variação, com 16,4%, seguido por estupro, que teve um aumento de 15,3% (em 2021, foram registrados 45.076 casos, ante 51.971 ocorrências registradas em 2022).
Portal Soteropreta – Como essa ideia surgiu em sua trajetória e qual o principal intuito da publicação?
Anhamoná Brito – Ao longo dos 24 anos em que exerço a Advocacia, sempre atuei na esfera da proteção e promoção dos direitos humanos de sujeitos e grupos vulnerabilizados, sobretudo população negra, mulheres, população LGBTQIA+ e povos tradicionais, com ênfase para comunidades quilombolas, em face da minha origem. Por quase dois anos, pude acompanhar os desafios para o desenvolvimento de políticas para crianças e adolescentes, ao exercer o cargo de Superintendente de Direitos Humanos do Estado da Bahia. Entre 2020 e 2022, atuei enquanto Coordenadora Geral do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Estado da Bahia. Nesta oportunidade, vivi os desafios de acessar, de maneira segura e respeitada, a peculiaridade de cada caso em face de situações extremas. Serviços vinculados ao Sistema de Garantias de Direitos de Crianças e Adolescentes, para atender às necessidades específicas deste público, o qual integravam os núcleos familiares enquanto vidas sob proteção do Estado. A experiência me mostrou a importância de investirmos na formação continuada dos/as conselheiros/as tutelares, que são uma das principais portas de entrada para o acolhimento de situações de violações de direitos, bem como para o acesso a instituições e serviços, em face da carência de esforços e investimento financeiro para tal fim. Através do livro, pretendo dar vazão à crença de que é possível revertermos desigualdades, através da atuação direta de todas as pessoas e priorizando a educação para/em direitos. Especificamente no cenário da infância e da adolescência, compreendo que conselheiros/as tutelares são agentes estratégicos para a consagração da proteção integral e da prioridade absoluta que a nossa Constituição confere a este público; o qual, infelizmente, necessita de uma atenção coletiva, em face da vulnerabilidade real que detém pela idade e da própria dependência dos genitores e responsáveis para a preservação e garantia de seus direitos.
Portal Soteropreta – O que a população precisa saber sobre os Conselheiros Tutelares?
Anhamoná Brito – Os conselhos tutelares são uma inovação jurídica introduzida pelo Estatuto da Criança e Adolescente, totalmente brasileira, não existindo em outras partes do planeta um órgão como seu formato e atribuições – com membros escolhidos pelos/as cidadãos/ãs em votação aberta a todos os eleitores, de caráter não obrigatório – com o papel de promover o acompanhamento familiar; receber denúncias e promover orientações; representar diretamente os interesses de crianças e adolescentes perante a autoridade judiciária, delegacias e ao Ministério Público, a depender da situação e de acordo com a lei; fiscalizar diretamente entidades de cumprimento de medidas socioeducativas e de medidas de proteção; aplicar medidas de proteção a benefício de crianças e adolescentes, inclusive para cumprimento dos pais e responsáveis; requisitar documentos e serviços públicos; dentre outros. Um bom exemplo sobre a importância da atuação qualificada dos conselhos tutelares, diz respeito aos casos de violência doméstica e familiar.
De acordo com o ECA, compete aos conselhos tutelares representar à autoridade judicial ou policial para requerer o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência, nas situações em que as crianças e adolescentes são vitimizadas, de maneira direta ou indireta. Tal atribuição é pouco divulgada, mas precisa ser de conhecimento e atuação técnica dos/as conselheiros/as.
A questão central é a seguinte: como operacionalizar tantas competências e habilidades se falta acesso à informação qualificada; bem como formação inicial e continuada a esses importantes agentes públicos?
Portal Soteropreta – Quais são os principais desafios enfrentados pelos Conselheiros Tutelares em seu trabalho diário, especialmente nas áreas mais violentas do país?
Anhamoná Brito – A atuação dos/as conselheiros/as tutelares precisa seguir o que está disposto no ECA, bem como a Resolução nº 231/2022, do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA, que, resumidamente, prevê a necessidade de estrutura própria, apoio orçamentário para o desempenho das funções; equipamento suficiente para o exercício da atividade, inclusive com suporte de veículo, telefonia, internet, dentre outros suportes. Além disso, é fundamental que seja respeitada a autonomia funcional desses agentes, bem como se garanta uma remuneração condigna à complexidade e relevância do trabalho desempenhado.
Infelizmente, a gente percebe que, dos 6.100 conselhos tutelares existentes no Brasil, onde atuam 30.500 conselheiros e conselheiras, ainda há muita carência de recursos para o desempenho de suas funções.
Também deve ser destacada a tentativa de controle das atividades por determinados setores e grupos, principalmente vinculado ao comando de mandatos e lideranças político-partidárias, os quais veem na ação destes agentes um caminho para o estabelecimento, a partir da pauta da infância e da adolescência, de novos currais eleitorais nas comunidades em que os conselhos tutelares se situam.
Portal Soteropreta – Como avalia os dados apresentados pelo 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública em relação aos crimes contra crianças e adolescentes?
Anhamoná Brito – Nós, pesquisadores/as das universidades brasileiras, exercemos um importante papel para a promoção de uma leitura apropriada de dados sociais, sobretudo os que se vinculam às bases de dados de instituições e serviços públicos. No caso do Anuário Brasileiro da Violência, trata-se da análise de informações a partir de pesquisas continuadas sobre diferentes formas de violência. As pesquisas realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública há quase duas décadas, partem da análise de informações constantes em base públicas de dados, permitindo uma leitura qualificada do cenário de desigualdades e violências a partir do cruzamento de informações, cenários e públicos implicados nestas ocorrências. Sobre a questão da infância e da adolescência, a edição que vocês mencionam (2023) traz, de maneira inédita, dados sobre diferentes formas de violência incidentes contra este público, praticadas por diferentes atores e em diferentes espaços e contextos. Há um capítulo específico sobre violência contra crianças e adolescentes, reportando vários tipos de crimes, a exemplo dos crimes sexuais, pornografia, exploração sexual, mortes violentas intencionais, maus tratos.
Também de maneira inédita, há leituras sobre o sistema socioeducativo, lançando luzes sobre os adolescentes que cumprem medidas por atos infracionais, indicando os principais casos em cada modalidade de medida; além de fazer uma leitura sobre o funcionamento do próprio sistema, indicando algumas tendências.
Por último, também destaco o capítulo que se reporta às violências nas escolas, que ganhou contornos de gravidade nos últimos anos, com inúmeros casos em nosso país, chamando a atenção dos poderes públicos e repercutindo, inclusive, na aprovação de uma nova Lei – 14.811/2024, com indicativo de ações em rede para a reversão deste fenômeno.
Portal Soteropreta – Como você acha que a distribuição do “Manual Avançado para a Atuação de Conselheir@s Tutelares” pode ajudar a enfrentar esses desafios?
Anhamoná Brito – Sou uma seguidora dos ensinamentos de Paulo Freire, para quem a utopia é um “modo de estar-sendo-no-mundo”, o qual necessita de um conhecimento consciente da realidade para que possamos mudá-la ou, no dizer do Mestre, para que possamos “pro-jetar, lançar-se adiante”. Mais do que acredito, deposito meus esforços pessoais que este Manual tem a possibilidade de contribuir com o processo de formação e também com o desenvolvimento das atividades ordinárias e especiais de conselheiros/as tutelares, bem como dos demais profissionais que integram o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. Por conta disso, abri mão de meus direitos autorais para os 655 exemplares que serão disponibilizados aos/às conselheiras que pretendemos beneficiar com esta iniciativa. Gostaria muitíssimo que todo o livro fosse reproduzido e disponibilizado, gratuitamente, para os 30.500 conselheiros e conselheiras em atividade no país; ou, ao menos, aos 2.225 membros que atuam na Bahia, meu estado de origem e residência. Esta, porém, não é a realidade para o momento. Mesmo assim, a semente está lançada em terreno fértil e deve dar frutos positivos para a luta em defesa dos direitos e interesses de crianças e adolescentes de nosso país.
Portal Soteropreta – Qual é a sua expectativa em relação ao impacto que essa iniciativa pode ter e quais ações você realizará para ampliar esse alcance?
Anhamoná Brito – Eu e demais colaboradores do Instituto JusEsperança, organização que criei para atuar na esfera da educação para direitos humanos, estamos numa etapa de preparar o pré-lançamento do livro de maneira a apoiar a execução desta campanha. Para tanto, estamos concluindo um mapeamento de dados relativos às secretarias e órgãos diretamente vinculados aos conselhos tutelares, nos 50 municípios que priorizamos para a ação. Também estamos identificando estes conselhos e seus membros, já que nossa expectativa é de batermos a meta dos 655 exemplares entregues. Iremos fazer um contato direto com as Prefeituras, para dialogarmos não apenas sobre o livro, mas sobre algumas iniciativas que, sob o nosso ponto de vista, precisariam ser adotadas para o fortalecimento de uma pauta substantiva pró-infância no cenário municipal, a partir dos conselhos tutelares. No Manual, escrevemos um capítulo com o indicativo de ações estratégicas a serem adotadas na esfera desses conselhos, com o apoio dos CMDCAs para o fortalecimento de infâncias e adolescências dignas. Também apresentamos alguns modelos para o apoio das atividades rotineiras – peças jurídico-técnicas que traduzem, na prática, o que esses órgãos tem o papel de fazer.
O que estou querendo dizer é que as nossas estratégias para o fortalecimento dos conselhos tutelares transcendem a campanha para disponibilização de um exemplar do manual. Trata-se de um dever político que tenho assumido, com o apoio dos colaboradores do Instituto JusEsperança, de maneira bastante responsável e atenta.
Portal Soteropreta – Além da formação dos Conselheiros Tutelares, quais outras medidas você considera importantes para garantir esse impacto?
Anhamoná Brito – Na esfera da infância e da adolescência, o desafio é o de garantir, nos termos do ECA, uma atuação em rede das instituições, órgãos e serviços que integram o sistema de garantia de direitos das crianças e dos adolescentes. É fundamental que as secretarias de saúde, educação, segurança pública (inclusive com delegacias especializadas), assistência social, conselhos municipais das crianças e dos adolescentes, conselhos municipais da assistência social, conselhos tutelares, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, garantam uma atuação integral e especializada a este público e familiares, compartilhando informações e fluxos, de maneira a promover seus interesses de maneira holística e completa. Infelizmente, apesar de haver previsão legal, os dispositivos do ECA e de outras normas ainda não são efetivados, sobretudo nas cidades mais distantes da capital. Ainda existe muito preconceito com esta pauta, principalmente em face de um entendimento de que proteger este público significa dar “guarida à bandidagem futura”, o que não é correto nem deve ser aceito.
Os conselhos tutelares são uma parte importante de um sistema complexo e necessário, eles devem ser fortalecidos, mas não podemos perder o foco da necessidade de estabelecermos um funcionamento pleno e satisfatório do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes.
Portal Soteropreta – Como as pessoas interessadas podem contribuir com essa causa e fazer parte da campanha de financiamento coletivo?
Anhamoná Brito – Para contribuir com a causa e fazer uma doação, basta acessar o site da campanha de financiamento coletivo. Escolhi a plataforma Benfeitoria, porque ela permite que os doadores e toda a sociedade interessada acompanhe o fluxo das contribuições. Estamos quantificando que um exemplar (já incluindo o frete) sairá por 90 reais: este é o custo para apoiar a capacitação de um conselheiro/a tutelar, do total dos 665 que atuam nas 50 cidades mais violentas.
Realmente aposto que alcançaremos o objetivo e, se eventualmente não entregarmos o total de exemplares previstos inicialmente, os que forem entregues serão por mim considerados como uma vitória na luta em prol de infâncias e adolescências dignas em nosso país.
Opinião
#Opinião: “Entre a neve e o milho branco, chegamos a Kwanzaa” – por Patrícia Bernardes Sousa

E no Brasil desbravador de 2024, educadores e gestores públicos rodam em círculos como num grande Xirê (Siré) onde não existem competências e habilidades, previstas na Constituição Federal de 1988 e na Base Nacional Comum Curricular, para que o conhecimento dance e faça os seres apresentados como humanos na Terra, evoluírem. Sim, é sobre isso. Entre a neve e o milho branco, estabeleceu-se a cultura do ódio religioso para que o culto ecumênico da fé em Papai Noel fosse tão demonizado quanto aqueles que acreditam que seu “bom velhinho” é Papai Oxalá.
Não existem artigos previstos na Constituição de 1988, bem como também não existem competências e habilidades na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que “troque a bença” ou “abençoe com óleo ungido” o culto ao ódio, ao assassinato, à violência psicológica, física e patrimonial vivenciada pelos povos originários e comunidades tradicionais no Brasil.
O menino Jesus, testado e humilhado diversas vezes num deserto com orientações espirituais de seu pai, nosso Senhor Jesus Cristo jamais entenderia o porque que todas as tábuas dos mandamentos escritos por seu leal discípulo Moisés, iriam respaldar as bocas e as escrevivências de “espíritos de engano” que fazem da gestão escolar, da coordenação pedagógica e do planejamento estratégico anual de professores uma “fogueira da inquisição” junto à crucificações diárias para além das paredes das salas de aula.
Viver Nosso Senhor Jesus é amor.
Viver Pai Oxalá é amor.
Viver Tupã é amor.
No culto ao ego adoecido, criamos um outro tipo de Deus: o “Deus do Ódio” que facilmente encontrou e encontra abrigo em corações sujos dentro e fora de Terreiros, Igrejas e Templos das mais diversas religiões onde o dinheiro está num “altar” ainda maior que o conhecimento legítimo da nossa ancestralidade e dos nossos antepassados.
Papai Noel não deseja sangue na neve. Ele conta a história de onde ele veio.
O menino Jesus não quer sangue na Terra. Ele conta a história de onde ele veio.
Papai Oxalá não quer sangue na Terra. Ele conta a história de onde ele veio.
Tupã não quer sangue na Terra. Ele conta a história de onde ele veio.
A BNCC também prevê a habilidade EF03HI03, que consiste em identificar e comparar pontos de vista sobre eventos significativos, condições sociais e grupos culturais, com destaque para as culturas africanas, indígenas e de migrantes. A Lei nº 10.639/03, por sua vez, torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em especial nas áreas de artes, literatura e história. Na BNCC, quando aparece o termo “Educação das Relações Étnico- Raciais”, é para fazer menção à legislação que trata da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da Educação Básica.
E quando a Kwanzaa chega? Como entender e valorizar algo tão maior que os princípios do eu, do outro e do nós, dentro das previsões da BNCC que estruturam as competências e habilidades de se poder andar de carro, de metrô, de avião ou a pé da forma que desejarmos nos vestir e cultuar o deus que cremos?!
O que dizer aos educadores adoecidos na arte de lecionar e estão próximos da sua aposentadoria?
O que dizer para lavar com “águas de paz” gestores escolares e coordenadores pedagógicos, também adoecidos por enraizar ainda mais fundo a semente da perseguição do plano de aula diário do educador em sala de aula?
O que dizer à mãe solo que não prevê o Menino Jesus como o Senhor e Salvador, pois a única referência masculina que ela teve repetiu o ciclo tóxico vivenciado pela sua família ao perceber que a sua gravidez não seria acolhida numa manjedoura de amor e sim palavras de escárnio e tapas na cara anunciando as dores para os seus próximos anos de vida, com um filho no braço e muitas coisas pra dar conta sozinha.
A neve não encanta, o milho branco não traz paz e a Kwanzaa não anuncia e nem anunciará nada para estas milhões de “Marias” que não tiveram a base forte de um companheiro como seu “Salvador” e ainda estão aos pés da cruz em busca de milho branco para se alimentar de paz. Não diga a uma mulher indígena que ela foi estuprada por um bem maior que foi colonizar o Brasil. Tupã, o criador do mundo, não se faz presente nisso. Ampliar o foco dos currículos para a diversidade cultural e racial, valorizar a pluralidade étnica, prevenir preconceitos, estereótipos e estigmas e formar cidadãos com compreensão de mundo e relações sociais deveriam ser nossos mandamentos, mas não são.
Kwanzaa se anuncia com amor. Umoja, Kujichagulia, Ujima, Ujamaa, Nia, Kuumba, Imani são princípios que, para além de sermos dizimistas, moldam a nossa fé sem armas com tiros à queima-roupa na nossa dignidade salarial, sanidade mental e expansão de nosso conhecimento.
Quando se refere às aprendizagens essenciais e não inclui uma pauta antirracista entre as prioridades, a BNCC desconsidera a realidade social brasileira, que é racista, preconceituosa e segregadora. No Brasil, o Kwanzaa já é celebrado em estados como São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O ódio, substantivo masculino, já estava sendo praticado antes mesmo nas disputas entre os homens das cavernas. Em 2024, ele percorre corações adoecidos dentro e fora das salas de aula. O campo de experiência “O eu, o outro e o nós” da Base Nacional Comum Curricular aborda habilidades como conhecer e respeitar regras de convívio social, respeitar a diversidade, desenvolver a identidade e até mesmo facilitar a socialização dos povos originários e as comunidades tradicionais. É como um “dever de casa” que nunca fica pronto.
Vivemos ainda com aqueles avisos colados com durex e escritos em folhas de ofício na horizontal dizendo:
“Não derrube o Menino Jesus da manjedoura”; ” Ser índia não é fetiche sexual”; “Torço/Ojá não é pra esconder drogas e passar em alfândegas de aeroportos”; “Milho branco alimenta e traz paz”; “Mulheres Negras não são souvenir de Carnaval”; “Minha conta de orixá não é da sua conta”.
Derretemos a neve para afogar Papai Noel e fazermos dos adeptos religiosos do Deus Tupã e Pai Oxalá uma piada para racistas recreativos anualmente.
Deus é fiel! Olorum é luz! Tupã é resgate à natureza humana.
2025 está logo ali.
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.
Opinião
#Opinião: Dando rum na educação construindo pontes sem dó – Por Patrícia Bernardes Sousa

Sim! Nem só o orixá toma “rum” no barracão da sua vida pessoal e profissional. Desde o início destes festejos do Novembro Negro 2024, a Bahia do poeta Castro Alves permitiu que a sua “concha acústica sonora” desse “rum” aos gestores de cultura, empresas privadas e simpatizantes empresariais da educação, letramento, teatro e arte-educação na capital baiana e no mundo.
Não deu “Dó” e ninguém deu “Ré” na compra de ingressos para vislumbrar o verdadeiro espetáculo vindo da troca de couros sagrados tocados pelos maestros dos mais diversos grupos culturais de Salvador. Com respeito e determinação legítima, ogãs, filhas de santo, ebomis, abiãs e yawos levaram a sua comunidade à visibilidade máxima ao entender que identidade racial e cultura identitária nasce na troca do couro e no lapidar na madeira para que o atabaque ecoe a nossa súplica.
Neste caso, a súplica foi ecoada sobe a batuta das águas de Oxalá e Nosso Senhor do Bonfim, que permitiram que a paz durante os eventos do G20, do cinquentenário do “Mais Belo dos Belos”, o Bloco Afro Ilê Aiyê e da cadência das Orquestras Afrobaianas, chegassem como perfume suave aos nossos ancestrais. Ninguém limpa couro com água salgada e é por isso que a alegria dos erês se fez e se faz presente em cada sorriso de vitória dos maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres.
Não se tem como ecoar “Mi-mi-mi” diante da grandiosidade na excelência dos ensaios e preparações com a cabaça de conhecimento presente na vida destes maestros. A Orquestra Afrosinfônica da Bahia e a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) dão “rum” a quem acredita que somos subnotificação e que não existe qualidade nos ouvidos musicais e musicados de quem não tem dinheiro pra comprar nem um violino, um trombone ou até mesmo um simples cotonete.
A fome cultural e orgânica de pessoas carentes de acolhimento estrutural em Salvador oferta o ilá (grito) que nos alerta da importância de mobilizar, sensibilizar e deliberar políticas públicas de captação de recursos que ofereçam “cabaças” de possibilidades de realização de sonhos educacionais e profissionalizantes ao invés de “cuias” que limitam o abastecimento de água para limpeza do corpo e da hidratação humana diária através destes projetos.
Crianças, jovens e adultos formam um “coro” regido por “couros” devidamente abençoados por pembas de lucidez e o suor salgado das águas que curam e libertam cabeças que não tinham sonhos seja na Liberdade, Itapuã, Candeal, Bairro da Paz, Pelourinho, Subúrbio Ferroviário e muitos outros pela Bahia e pelo Brasil.
Com espetáculos como “Sinfonia Terra Brasilis”, “Ponte Para a Comunidade – Orquestras Afrobaianas” e “ OSBArris”, as políticas sociais de Salvador ensinam aos seus gestores que a educação musical também é pioneira na arte ancestral dos ensinamentos orais que legitima a direção (rum) que são passados de mães solo, em sua maioria, para seus filhos, filhas e filhes.
Para atender ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, a Bahia vai precisar sair dos atuais 37% para 43% agora em 2024, chegando a 50% em 2025. A meta é alcançar 80% de sucesso até 2030. Subnotificações que chegam aos nossos ouvidos sem “dó” e quase obrigando gestores culturais como os maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres a dar “ré” na hora de colocar as suas apresentações com carência profunda como uma concha nas profundezas do mar da Baía de Todos os Santos. 34 mil estudantes, entre 18 e 24 anos são analfabetos na Bahia, segundo dados do IBGE.
Das cordas e dos couros de instrumentos musicais ainda podemos promover notas musicais e notas máximas que ecoem aprovações de crianças e jovens carentes pelo Brasil. Na Bahia, 77 em cada 100 crianças e adolescentes vivem na pobreza em suas múltiplas dimensões, afirma o Unicef. Esse sim é o verdadeiro espetáculo que vislumbramos aplaudir: a erradicação da fome e da pobreza através do “rum” na gestão pública sucateada de nosso país. Uma verdadeira proclamação da República de Direitos Humanos.
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.
Opinião
#Opinião: Novembro Negro e o Mito da Meritocracia: Um Convite à Reflexão – Por Luciane Reis

O Novembro Negro nos convida, anualmente, a revisitar a história, reavaliar estruturas e reafirmar lutas pela igualdade racial. Nesse contexto, a discussão sobre a meritocracia se torna urgente, pois essa ideia, muitas vezes celebrada como símbolo de justiça social, carrega as marcas de um pensamento colonial que perpetua desigualdades.
A meritocracia pressupõe que todos partem do mesmo ponto na corrida pelo sucesso, ignorando as distâncias impostas por séculos de exclusão. É como esperar que dois corredores compitam em igualdade enquanto um carrega o peso da história em suas costas. No Brasil, onde a escravidão moldou as bases econômicas, sociais e culturais, a meritocracia funciona mais como uma cortina que esconde privilégios do que como um mecanismo de equidade.
Esse sistema, aparentemente neutro, ignora que o acesso à educação, saúde e oportunidades profissionais sempre foi condicionado por cor e classe social. Para quem descende de uma trajetória de exploração, a realidade é outra: os degraus da mobilidade social são mais altos e escorregadios. O pensamento colonial que estruturou o Brasil não apenas determinou quem teria acesso à terra, ao poder e ao conhecimento, mas também deixou como legado uma lógica que naturaliza a exclusão.
Novembro Negro é um tempo para questionar essa narrativa. Quando celebramos Zumbi dos Palmares, Dandara e tantos outros ícones da resistência, estamos também desafiando a ideia de que as conquistas são individuais. O sucesso negro no Brasil nunca foi apenas mérito pessoal; é fruto de uma luta coletiva, travada contra um sistema que se reinventa para manter privilégios.
Superar o mito da meritocracia exige ir além de reconhecer desigualdades. Precisamos de políticas que reparem os danos históricos, ações afirmativas que nivelam o campo de oportunidades e, acima de tudo, coragem para repensar nossos valores. A verdadeira justiça não é um pódio onde poucos chegam, mas uma estrada onde todos podem caminhar juntos.
Que este Novembro Negro nos inspire a abandonar os mitos que aprisionam e a construir um país onde o mérito seja medido pela força do coletivo, e não pela manutenção de privilégios disfarçados de igualdade.
Luciane Reis é Comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, especialista em Produção de Conteúdo para Educação e mestra em Desenvolvimento e Gestão pela UFBA e CEO Mercafro