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Opinião

#ProsaPreta – Mulheres negras: existências revolucionárias! Por Lígia Santos Costa

Jamile Menezes

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mulher negra

Nesta comemoração às mulheres eu não vou chorar dores. Sei que são muitas feridas, mas, só por hoje, eu, mulher, só quero celebrar a existência, a minha e de todas outras as quais me uno em irmandade. Podem perguntar quais pessoas recebem essa denominação e a resposta que orienta o meu saber é que mulher é bicho gente que dá sentidos ao mundo.

Essa compreensão me faz lembrar do mito nagô sobre a criação do mundo. Nessa história, Olórum, Deus, delegou ao filho Obatalá, o princípio masculino, a importante tarefa de criar o mundo material e para tal missão entregou a ele o saco da existência que continha todas as coisas necessárias para a criação do mundo.

Obatalá, confiante da sua posicionalidade masculina de poder, decide não oferecer honrarias a Exu, aquele que tem o poder de abrir e fechar caminhos, conforme é dada deferência ou não a sua importância entre os orixás. A negativa de Obatalá à tradição o deixou por sua conta e sorte e, como consequência, não conseguiu cumprir a missão dada pelo pai e foi a sua irmã Odudua, princípio feminino, que assumiu a tarefa delegada a ele. Odudua observa, aprende, guarda e cumpre a tradição, alcançando o seu objetivo.

Nessa história a construção social atribuída à figura masculina de vigor e impetuosidade polariza com a figura feminina de obediência. Porém faço o convite para que abandonemos a dualidade força – mansidão, para que possamos compreender que as constituições masculinas e femininas, ao contrário de como foram construídas, guardam multiplicidades existenciais.

A multiplicidade existencial de estar no mundo, para Odudua, oportunizou a leitura do contexto da demanda que recebeu. E para nós, mulheres mortais, o que a sabedoria de que somos sujeitos múltiplos tem oportunizado? Justamente a capacidade de criar e recriar o mundo. De que maneira?

Ora, será preciso que puxemos uma cadeira para sentar e assim enumerarmos algumas transformações sociais protagonizadas por mulheres, precisaremos também de bastante tempo para contar as suas histórias. Mas por agora, quero falar de três mulheres que mais do que por opção, mas por necessidade se fizeram revolução no mundo. A primeira chama-se Cláudia Silva Ferreira ou como passou a ser conhecida “A mulher arrastada”.

No dia 14 de março deste ano, fará dez anos que Cláudia foi morta pela polícia militar do Rio de Janeiro, após ser atingida por dois tiros, um no pescoço e outro nas costas, e depois foi arrastada por 300 metros pela viatura policial. Mulher, negra, mãe de quatro filhos, auxiliar de serviços gerais saiu de casa para comprar pão e foi assassinada. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

A segunda é Verônica Alves Francisco, a Verônica Bolina, presa em 2017, acusada de agressão a uma vizinha. Foi encarcerada em uma unidade masculina, onde mordeu a orelha de um agente penitenciário e, como castigo, foi espancada, teve o seu cabelo raspado, foi despida, algemada e jogada no chão do pátio da penitenciária, onde foi fotografada e sua imagem divulgada em redes sociais.

Passados oitos anos, Verônica cumpre medida de segurança em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em São Paulo, após diagnóstico de psicose esquizo-afetivo (esquizofrenia e bipolaridade). Mulher, negra, transexual, encarcerada, pois sua condição por muito tempo foi lida como um caso de polícia e não de saúde mental. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

Elitânia de Souza da Hora é a terceira, estudante de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB, em Cachoeira na Bahia. Foi morta em 2019 pelo ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento. Elitânia, mulher, negra, vítima de feminicídio. Veredito social? Culpada por ousar ser livre.

Três mulheres, Cláudia, Verônica e Elitânia, revolucionaram o mundo, por, teimosamente, reivindicarem a própria existência. Cláudia, antes de ser tombada, resistia à lança que mirava o seu corpo negro e periférico que, assim como tantos outros, aumentava os índices do desemprego, da vulnerabilidade social e outros déficits sofridos por mulheres negras pela via do racismo. Verônica que, além de ser marcada pela mancha do racismo foi atingida pela transfobia, poderia ter se aprisionado e interpretado a masculinidade imposta pela sociedade, mas só pode ser o que é. Elitânia, desejosa por ser dona si mesma, assumiu a própria voz, adentrou à Academia levando a sua história e a dos seus.

A vivência de episódios, que em nada consideraram as suas subjetividades, por muitos é tratada como habitual e inerente à existência dessas mulheres, como comprovam dados estatísticos sobre homicídios, por exemplo.

Ser um alvo potencial afeta a mulher negra antes mesmo do ato de violência em si, pois estar no lugar de maior vitimizada aponta para o descaso social quanto a sua vida a qual é, sistematicamente, banalizada.

Além da constatação da violência, é preciso dar um passo adiante, observar e analisar como essa condição vem sendo estruturada. Quais imagens a sociedade constituiu sobre as mulheres negras? De que maneira as relações sociais estabelecidas a partir dessas imagens têm impactado a saúde psíquica dessas mulheres?

Patrícia Hill Collins em Pensamento feminista negro, ao pensar sobre os estereótipos colados à mulher negra, aponta para a compreensão de que essas construções não surgem de uma individualidade, como ainda hoje as bases sociais do racismo e do sexismo costumam disseminar.

A violência contra a mulher negra está pautada em moldes estruturais da sociedade e se ramifica constituindo diversas frentes, inclusive na construção de imagens que tendem a aprisionar essas mulheres em estereótipos que as desumanizam, como, por exemplo, o de forte que tudo sustenta e suporta, portanto mais distantes do humano e mais próximas da animalização, visão que as coloca apartadas das habilidades racionais.

A existência de Cláudia, Verônica e Elitânia atestam que só é possível ser o que se é. Quando mulheres negras se autorizam a ser quem são, contribuem para a concretização de um mundo de multiplicidades, onde cada pessoa vai se construindo em um criar-se e recriar-se por uma leitura constante do que se é no agora.

Este artigo é fruto de parceria entre o Soteroprosa e o Portal Soteropreta, juntos para fortalecer a visibilidade do pensamento negro na Bahia.

A Autora

Lígia Santos Costa é Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) – Universidade Federal da Bahia. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) – Universidade do Estado da Bahia. Professora de Literatura – Secretaria do Estado da Bahia; Psicóloga Gestalt-terapeuta e Psicopedagoga Clínica e Institucional.

Opinião

#Opinião: Dando rum na educação construindo pontes sem dó – Por Patrícia Bernardes Sousa

Ana Paula Nobre

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Sim! Nem só o orixá toma “rum” no barracão da sua vida pessoal e profissional. Desde o início destes festejos do Novembro Negro 2024, a Bahia do poeta Castro Alves permitiu que a sua “concha acústica sonora” desse “rum” aos gestores de cultura, empresas privadas e simpatizantes empresariais da educação, letramento, teatro e arte-educação na capital baiana e no mundo.

Não deu “Dó” e ninguém deu “Ré” na compra de ingressos para vislumbrar o verdadeiro espetáculo vindo da troca de couros sagrados tocados pelos maestros dos mais diversos grupos culturais de Salvador. Com respeito e determinação legítima, ogãs, filhas de santo, ebomis, abiãs e yawos levaram a sua comunidade à visibilidade máxima ao entender que identidade racial e cultura identitária nasce na troca do couro e no lapidar na madeira para que o atabaque ecoe a nossa súplica.

Neste caso, a súplica foi ecoada sobe a batuta das águas de Oxalá e Nosso Senhor do Bonfim, que permitiram que a paz durante os eventos do G20, do cinquentenário do “Mais Belo dos Belos”, o Bloco Afro Ilê Aiyê e da cadência das Orquestras Afrobaianas, chegassem como perfume suave aos nossos ancestrais. Ninguém limpa couro com água salgada e é por isso que a alegria dos erês se fez e se faz presente em cada sorriso de vitória dos maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres.

Não se tem como ecoar “Mi-mi-mi” diante da grandiosidade na excelência dos ensaios e preparações com a cabaça de conhecimento presente na vida destes maestros. A Orquestra Afrosinfônica da Bahia e a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) dão “rum” a quem acredita que somos subnotificação e que não existe qualidade nos ouvidos musicais e musicados de quem não tem dinheiro pra comprar nem um violino, um trombone ou até mesmo um simples cotonete.

A fome cultural e orgânica de pessoas carentes de acolhimento estrutural em Salvador oferta o ilá (grito) que nos alerta da importância de mobilizar, sensibilizar e deliberar políticas públicas de captação de recursos que ofereçam “cabaças” de possibilidades de realização de sonhos educacionais e profissionalizantes ao invés de “cuias” que limitam o abastecimento de água para limpeza do corpo e da hidratação humana diária através destes projetos.

Crianças, jovens e adultos formam um “coro” regido por “couros” devidamente abençoados por pembas de lucidez e o suor salgado das águas que curam e libertam cabeças que não tinham sonhos seja na Liberdade, Itapuã, Candeal, Bairro da Paz, Pelourinho, Subúrbio Ferroviário e muitos outros pela Bahia e pelo Brasil.

Com espetáculos como “Sinfonia Terra Brasilis”, “Ponte Para a Comunidade – Orquestras Afrobaianas” e “ OSBArris”, as políticas sociais de Salvador ensinam aos seus gestores que a educação musical também é pioneira na arte ancestral dos ensinamentos orais que legitima a direção (rum) que são passados de mães solo, em sua maioria, para seus filhos, filhas e filhes.

Para atender ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, a Bahia vai precisar sair dos atuais 37% para 43% agora em 2024, chegando a 50% em 2025. A meta é alcançar 80% de sucesso até 2030. Subnotificações que chegam aos nossos ouvidos sem “dó” e quase obrigando gestores culturais como os maestros Ubiratan Marques e Carlos Prazeres a dar “ré” na hora de colocar as suas apresentações com carência profunda como uma concha nas profundezas do mar da Baía de Todos os Santos.  34 mil estudantes, entre 18 e 24 anos são analfabetos na Bahia, segundo dados do IBGE.

Das cordas e dos couros de instrumentos musicais ainda podemos promover notas musicais e notas máximas que ecoem aprovações de crianças e jovens carentes  pelo Brasil. Na Bahia, 77 em cada 100 crianças e adolescentes vivem na pobreza em suas múltiplas dimensões, afirma o Unicef. Esse sim é o verdadeiro espetáculo que vislumbramos aplaudir: a erradicação da fome e da pobreza através do “rum” na gestão pública sucateada de nosso país. Uma verdadeira proclamação da República de Direitos Humanos.

Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura.

 

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#Opinião: Novembro Negro e o Mito da Meritocracia: Um Convite à Reflexão – Por Luciane Reis

Ana Paula Nobre

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O Novembro Negro nos convida, anualmente, a revisitar a história, reavaliar estruturas e reafirmar lutas pela igualdade racial. Nesse contexto, a discussão sobre a meritocracia se torna urgente, pois essa ideia, muitas vezes celebrada como símbolo de justiça social, carrega as marcas de um pensamento colonial que perpetua desigualdades.

A meritocracia pressupõe que todos partem do mesmo ponto na corrida pelo sucesso, ignorando as distâncias impostas por séculos de exclusão. É como esperar que dois corredores compitam em igualdade enquanto um carrega o peso da história em suas costas. No Brasil, onde a escravidão moldou as bases econômicas, sociais e culturais, a meritocracia funciona mais como uma cortina que esconde privilégios do que como um mecanismo de equidade.

Esse sistema, aparentemente neutro, ignora que o acesso à educação, saúde e oportunidades profissionais sempre foi condicionado por cor e classe social. Para quem descende de uma trajetória de exploração, a realidade é outra: os degraus da mobilidade social são mais altos e escorregadios. O pensamento colonial que estruturou o Brasil não apenas determinou quem teria acesso à terra, ao poder e ao conhecimento, mas também deixou como legado uma lógica que naturaliza a exclusão.

Novembro Negro é um tempo para questionar essa narrativa. Quando celebramos Zumbi dos Palmares, Dandara e tantos outros ícones da resistência, estamos também desafiando a ideia de que as conquistas são individuais. O sucesso negro no Brasil nunca foi apenas mérito pessoal; é fruto de uma luta coletiva, travada contra um sistema que se reinventa para manter privilégios.

Superar o mito da meritocracia exige ir além de reconhecer desigualdades. Precisamos de políticas que reparem os danos históricos, ações afirmativas que nivelam o campo de oportunidades e, acima de tudo, coragem para repensar nossos valores. A verdadeira justiça não é um pódio onde poucos chegam, mas uma estrada onde todos podem caminhar juntos.

Que este Novembro Negro nos inspire a abandonar os mitos que aprisionam e a construir um país onde o mérito seja medido pela força do coletivo, e não pela manutenção de privilégios disfarçados de igualdade.

Luciane Reis é Comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, especialista em Produção de Conteúdo para Educação e mestra em Desenvolvimento e Gestão pela UFBA e CEO Mercafro

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#Opinião: Desmistificando o Dia de Finados – Por Januário

Ana Paula Nobre

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Januário
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Em Desmistificando o Dia das Bruxas, discutimos o real sentido dessa festa, desde o Antigo Paganismo até a sua cristianização. Abordamos também a mudança do Dia de Todos os Santos, antes celebrado em 13 de maio, para 1º de novembro, como inflexão histórica que aproximou o paganismo da mística cristã, já que o Halloween ocorre em 31 de outubro. Contudo, a 2 de novembro de 998, o Abade Odilo, na abadia beneditina de Cluny, França, instituiu essa data como emblemática para orar pelos mortos.

O gesto de Odilo contribuiu sobremaneira para o estreitamento paganismo-cristianismo, todavia, foi mais além, haja vista resgatar um dos aspectos centrais da visão católica: para chegar ao Paraíso, as almas deveriam cumprir estágio em um Plano de Purificação, o Purgatório. Nessa dimensão, os espíritos acolhem as orações dos vivos e a intercessão dos Santos, de Maria Santíssima e do próprio Mestre Maior, Jesus Cristo. Essa tradição se disseminou rapidamente e dos séculos X ao XV, orar pelos mortos se popularizou pela Europa a ponto de 2 de novembro ser denominado Dia de Todas as Almas. Na verdade, esse período é o legado deixado pelos cristãos primitivos: ante as perseguições do Império Romano, nos séculos II e III, eles fugiam para os subterrâneos de Roma, enterrando e orando por seus entes queridos.

A colonização das Américas popularizou o Dia de Todas as Almas, haja vista a imposição do catolicismo sobre os povos conquistados. No Brasil, encontramos essa data, ainda que secularizada, como um momento no qual muitos visitam os túmulos de parentes e amigos que já realizaram a viagem para o Astral. Flores, velas e orações são utilizados: as flores simbolizam a evolução espiritual, as velas representam o Caminho da Iluminação e as orações, a evocação da benção de Deus para que a pessoa morta alcance o descanso eterno.

Por essas práticas, percebemos a quantidade de paganismo no interior do cristianismo: o Festival de Samhain, marcando o fim da colheita e a chegada do inverno, era, para os celtas, o momento de retorno dos mortos para a Terra e uma ocasião para se comunicar com os espíritos. Se os celtas acendiam fogueiras e ofereciam bebidas e comidas para recepcionar os espíritos, encontramos nos ritos católicos a analogia de quem acredita ser possível rogar a Deus por quem já partiu.

Longe de defenestrar a fé católica, percebemos no Dia de Todos os Mortos, ou Finados, a oportunidade do diálogo universalista entre todas as crenças: na Umbanda são realizados louvores aos mortos, no Babá Egun, outra religião afro-brasileira, vemos os iniciados vestidos com eku, indumentária especial feita de tiras de pano bordadas, cantando em homenagem aos que já se foram. Em países do sudoeste asiático, encontramos pessoas celebrando a memória de seus ancestrais no Qingming, festiva anual em torno de 5 de abril. Nesta tradição, é também costume ir à templos orar pelos falecidos, além de queimar joss, considerado o dinheiro dos mortos.

O Dia das Bruxas ou Halloween, em paralelo com o Dia de Todas as Almas ou Finados, demonstra que religiões de cultos diversos compartilham da mesma crença: a importância de louvar os mortos. Isso comprova a origem única de todas as religiões do mundo, através da Religião-Sabedoria, A Ciência Secreta, ensinada pela Filosofia Hermética. Nesses termos, o racismo religioso encontra-se desamparado de qualquer racionalidade, haja vista todas as crenças terem uma base comum. Portanto, é tarefa da humanidade acolher a si mesma em suas aparentes diferenças, que, na verdade, são caminhos entrelaçados à Perfeição.

Armando Januário dos Santos é Trabalhador da Luz, Mestre em Psicologia, Psicólogo (CRP-03/20912) e Palestrante. WhatsApp: (71) 98108-4943 / Instagram: @januario.psicologo

 

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