Artes
Feira Baiana de Agricultura Familiar destaca sabores e tradições quilombolas
Samba de roda, moqueca de ostra e artesanatos feitos de sisal são alguns dos atrativos que estiveram à disposição do público na 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar e Economia Solidária. O evento, que aconteceu no parque Costa Azul até o último domingo (15), contou com mais de 600 expositores e 145 estandes de produtos da agricultura familiar, povos tradicionais e assentados da Reforma Agrária. O objetivo foi atrair novos clientes, alavancar as vendas e viabilizar espaços de discussão e integração de políticas para o desenvolvimento rural baiano.
Durante a abertura da feira, foi assinada a contratação da PRONAF A para a Comunidade Quilombola para o Plano Safra 2024/2025, com investimento de R$100 mil, beneficiando famílias do Quilombo Fortaleza, no município de Bom Jesus da Lapa.
“Vamos celebrar tudo que tiver de bom aqui, mas não vamos esquecer que ainda temos tarefas contra aqueles que ainda fazem grilagem, tarefa contra aqueles que ainda promovem violência no campo e tem tarefa contra aqueles que insistem em continuar negando sobre aquele que é povo originário ou contra aquele que deseja produzir ao lado de suas famílias, seja ele de qual etnia for”, afirmou o secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia (SDR), Osni Cardoso.
O potencial empreendedor de pessoas negras quilombolas que ficam à margem dos bens são produzidos também foi exaltado por representantes da gestão social e cultural da Bahia como Ailton Ferreira, sociólogo e coordenador do Instituto da Reparação em Salvador.
“Aqui tem pessoas de quilombos, tem pessoas da resistência, tem pessoas que vem do Recôncavo, do interior da Bahia. Essa 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar dá visibilidade para produtos de qualidade. Aqui não é o ‘agro que é pop ‘ não. Aqui é a Agricultura Familiar Popular, aqui não tem agrotóxico, não tem exploração da terra e nem das pessoas. Aqui são negócios em sua maioria cooperados e familiares, onde a ideia é ganhar todo mundo junto”, afirmou Ferreira. Para o sociólogo, a 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar é sobre solidariedade, agricultura familiar, sustentabilidade e respeito aos povos originários.
Movimento negro quilombola e cultural
Personalidades negras, artistas da cena cultural, musical, gestores culturais e políticos da Bahia percorreram as barracas montadas ao longo da Tenda Quilombola em busca do consumo das artes e da culinária quilombola. A Bahia é o maior estado com população quilombola do Brasil, com mais de quase 400 mil pessoas.
“A 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar tá linda de se ver, estou muito feliz de estar aqui e de poder viver esse momento tão importante para o nosso estado, que traz essa força quilombola e a força indígena. Aqui tem farinha, tem mel, tem a cachaça, tem o artesanato na sua raiz mais simbólica”, vibrou o ator Sulivã Bispo.
Um Tributo a Mãe Bernadete, Ialorixá morta em 2023 no Quilombo Pitanga dos Palmares, reuniu no Palco Arena o músico Jurandir Wellington Pacífico, filho de Mãe Bernadete e membro do projeto Quilombo Cultura Viva , o cantor Reinaldo, ex- Terra Samba, e a banda Kanjerê de Sinhá.
“O Samba de Roda completou 20 anos como Patrimônio Cultural do Brasil e hoje representando Mãe Bernadete, eu como filho com 20 anos também de Samba de Roda, minha mãe era sambadeira e ativista e membro desse Movimento Negro lindo no Brasil. Quero agradecer a presença de todos vocês pela homenagem e dizer que Mãe Bernadete vive. Mãe Bernadete PRESENTE”, exaltou o quilombola. Durante as homenagens, também aconteceu na plateia do Palco Arena, o 9º Encontro de Mulheres Rurais da Bahia, organizado pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário, com marisqueiras e agricultoras rurais como Selma Souza, presidente da Associação Beneficente Educacional e Cultural Quilombola de Ilha de Maré (ABECQIM).
Ancestralidade empreendedora e o grafite rural
Mulheres do Quilombo Quingoma, da região metropolitana de Salvador, também estiveram presentes pela primeira vez na 15ª Feira de Agricultura Familiar e Economia Solidária. No estande, as quilombolas trouxeram uma coleção inteira com o tema “Tertuliana – Gerações do Coletivo Yá Bahia, além de sabonetes artesanais, crochê, mocó e produtos para escalda pés terapêuticos com ervas medicinais. Em novembro, o Quilombo Quingoma realizou o Festival “Titulação Já”, que trouxe música, dança, desfile afro, debates para celebrar sua existência desde 1569, além de exigir a titulação do seu território.
Nascido do trabalho dos negros que buscavam a liberdade fugindo das senzalas, o artesanato quilombola se destaca pelo uso de vários recursos naturais para a confecção de objetos e instrumentos de trabalho. Alguns desses materiais são a madeira, a taquara, a palha de milho, a fibra de bananeira, a canela e a piaçava.
“Faço graffite há mais de 24 anos e creio que esse painel pioneiro que foi entregue pra essa feira é o símbolo do nosso povo. Essa mistura do que a gente é, a gente vê em cada parte daquele painel e a valorização que essa agricultura familiar deveria ter. Deveria ser muito mais reconhecida em nossas casas, em nossa comunidade. Saber o que a gente come e da onde estes produtos vem e incentivar isso cada vez mais. Pintar esse painel é também pintar essa memória afetiva que remonta às brincadeiras durante as férias na infância, do avô colhendo milho. Esse painel é a união desses povos que compõem a Bahia”, disse o artista visual, Éder Muniz (@calangoss).
Culinária quilombola e o artesanato raiz
A gastronomia quilombola também atraiu a atenção de baianos e turistas durante a 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar na Tenda Quilombola, no Parque Costa Azul.
Jucilene Viana Jovelino é moradora da comunidade do Quilombo Kaonge, em Santiago do Iguape, em Cachoeira, e se apresenta como mulher preta que está no chão da comunidade quilombola, lutando pela identidade e valorização, na resistência de se manter viva.
“Ser quilombola é estar nessa luta de conquistar nossos direitos e ideais. E hoje estamos aqui em mais uma edição da Feira Baiana da Agricultura Familiar, pois participamos desde a primeira edição. Estamos aqui para mostrar que a identidade quilombola é forte e que nós produzimos agricultura para além de trazer os nossos produtos da agricultura familiar, pois cada produto nosso traz sua história. Nós não estamos aqui mostrando os nossos produtos, estamos contando a história de nossos ancestrais, do nosso povo preto. Enfim, a história dos nossos já que muitos lutaram para que hoje pudéssemos estar aqui”, afirmou Jucilene.
Para Daniele Costa, cientista política e assessora especial da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (SEPROMI), é importante a presença das comunidades quilombolas, das mulheres negras das zonas rurais. Segundo a cientista, essa feira é um grande exemplo do quanto se deve valorizar as mulheres rurais e as mulheres quilombolas.
Elder Anjos, morador do município de Candeias, já acompanha a feira há 10 anos e escolheu o estande da Rota da Liberdade – Quilombo Kaonge para degustar a tradicional ostra e afirma que o atendimento das mulheres quilombolas é o diferencial. “A gente junta as mesas, se reúne feito família e a comida do Recôncavo da Bahia é muito boa. Estou devendo uma visita ao Quilombo Kaonge. As ostras são o carro chefe da culinária, na minha opinião”, disse.
Já para Clecivânia de Jesus Pinheiro, do município de Valente, estar pela primeira vez na Feira Baiana de Agricultura Familiar a empodera ainda mais como mulher preta. Tem apenas 21 anos e já empreende com seus produtos da cooperativa Raízes do Brasil, e a venda da Feijoada.
“Estou aqui colaborando com a Raízes do Brasil com produtos como a cerveja Crioula, o mel, a venda da caneca artesanal de louça e a venda da nossa feijoada”, diz a jovem.
“Trouxemos para o segmento da agricultura familiar da Bahia, que já representa dois milhões de pessoas com mais de 600 mil estabelecimentos que são os grandes produtores de alimentos que chegam na mesa de baianos e baianas. É uma relação de afinidade de quem produz esses produtos e quem consome a sua história. A Bahia é um estado de dimensões continentais e somos o estado com o maior número de agricultores familiares e em número de comunidades reconhecidas. Fazer uma feira de Agricultura Familiar e não trazer essa pluralidade que é esse segmento rural quilombola e indígena da Bahia seria um grande erro. É negar a nossa própria história”, disse Jeandro Ribeiro, diretor- presidente da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR).
A 15ª Feira Baiana de Agricultura Familiar e Economia Solidária é uma realização do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), em parceria com a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Estado da Bahia (Unicafes-BA), a Feira conta com o apoio de parceiros importantes como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e Fundação Luís Eduardo Magalhães (FLEM) e patrocínio do Banco do Nordeste e Caixa Econômica Federal.
Fotos: André Furtuôso/Fabrício Rocha
Patrícia Bernardes Sousa é jornalista, redatora e integra projetos de impacto social, letramento, educação e cultura e colaboradora do Portal Soteropreta.
Artes
Artista plástica Maria Carolina lança expo “Zara Tempo e o Camugerê, Agolonã”
A artista plástica Maria Carolina vai ocupar o Foyer do espaço Xisto Bahia de 17 de janeiro à 13 de fevereiro, com a exposição inédita “Zara Tempo e o Camugerê, Agolonã”. Um trabalho que expressa a relação dos elementos da natureza e a sua cosmovisão através da troca de energias do Orí (Cabeça) com o Àiyé (Terra).
Com entrada gratuita, a mostra reúne nove telas nas quais a liberdade e a ancestralidade coexistem no mesmo princípio. Elementos do imaginário, dos gestos onde a honra e os atos ancestrais acertam a essência da artista.
“Minha composição tem como viés de inspiração a transposição da sensação, captação e interações dos espectros de memória e das suas respectivas representações elementares. Sinto e vejo a memória sensorial como marcadores de impressões das expressões naturais. E observo como essas expressões se apresentam e são atenuantes nos ritos essenciais da sabedoria oracular animista, nas camadas e dinâmicas da compilação cosmoancestral. Essa conexão com as memórias vivas é algo pulsante nas minhas prospecções criativas. Considero a transcrição dos orixás em natureza viva a experiência mais admirável e integradora de se contemplar e compartilhar”, explica a artista plástica Maria Carolina.
“Zara Tempo e o Camugerê, Agolonã” reverência a conexão entre Iròkò e Èṣù, desvendando pergaminhos de conexões ancestrais, trazendo, nessa perspectiva, Agolonã como símbolo que representa a junção de Agô (licença) e Lonã ou Lonan (caminho ou qualidade de Èṣù).
“Ou seja, pedimos licença para dar início à primeira dessa série de três exposições. Entremeando essa tríade teremos o momento de celebrar, justamente, o “Zara Tempo e o Camugerê, Agolonã”, seguindo com a exposição “Zara Tempo, Òrisùn Òmi Òrisùn Ẹmí (a fonte de água e a fonte da alma)” e fechando o movimento com a exposição “Zara Tempo e o Camugerê, Ajíjà, o epílogo”, explica a artista plástica Maria Carolina
Sobre Maria Carolina
Maria Carolina é uma artista plástica baiana, negra, autodidata, de 28 anos, nascida em Salvador. Ela é neta do grande sambista Oscar do Penha, conhecido popularmente como Batatinha, uma de suas maiores referências. Maria tem sua composição artística baseada na transposição sensorial, na captação e nas interações dos espectros de memória e de suas respectivas representações elementares.
Sentir e perceber o fluxo do tempo sensorial como marcadores de impressões das expressões naturais são a sua essência e marca artística, atenuando os ritos essenciais da sabedoria oracular animista nas camadas e dinâmicas da compilação cosmoancestral. Essa conexão com as memórias vivas é algo pulsante em suas prospecções criativas.
Serviço:
Exposição “Zara Tempo e o Camugerê Agolonã” – artista plástica Maria Carolina
Onde: Foyer do Espaço Xisto Bahia
Abertura: 17/01/2025 às 18h (lançamento)
Exibição: 14/01/2025 a 13/02/2025
Horário: 8h às 12h e das 14h às 18h
Artes
Feira AFRO-ART reúne artistas negros e indígenas no Pelourinho
Com o objetivo de reconhecer, visibilizar e contribuir para o desenvolvimento, profissionalização e geração de renda de artistas negros(as) e indígenas, a AfrontArt – Quilombo Digital de Arte realiza a primeira edição da AFRO-ART – Feira de Arte Negra e Indígena, entre os dias 13 e 26 de janeiro, das 10h às 19h, na Cardume Artes Visuais – Rua do Bispo, 35, Pelourinho.
Com entrada gratuita, a feira tem como foco o reconhecimento do trabalho desenvolvido por artistas negros(as) e indígenas, por meio de um grande espaço expositivo que busca a democratização do acesso e formação do público para as artes visuais, bem como a construção de hábitos culturais e de consumo.
O intuito do evento é descentralizar um cenário econômico muito concentrado no Sudeste e movimentar o mercado das artes no Nordeste – ainda muito restrito, e que não oportuniza artistas negros e indígenas.
Para preencher esse espaço, a Feira AFRO-ART propõe um diálogo com artistas contemporâneos da nova geração, com olhar decolonial, que em sua grande maioria não são representados por galerias e que, através da feira, poderão expor e vender suas obras tendo a oportunidade de participar de um momento de reaquecimento e criação de novo circuito econômico para as artes de Salvador.
Emerson Rocha
No espaço, também estão expostas obras de artistas com trajetórias em ascensão como Emerson Rocha, Rafaela Kennedy, Bernardo Conceição, Anderson AC e Robinho Santana. Apesar de jovens, alguns já vêm se destacando no cenário com suas obras presentes em exposições no MAR-RJ, Museu Afro – SP, CCBB DF, MAM BA, como é o caso de Rafaela Kennedy, Rainha F, Emerson Rocha, Bernardo Conceição e Yacunã. Além de obras premiadas como Amanda Tropicana e Matheus Leite.
Ao todo a Feira AFRO-ART reúne quase 40 artistas e mais de 80 obras comercializadas, com preços que variam entre R$ 3 mil e R$ 70 mil reais. A feira é idealizada e tem curadoria de Luana Kayodê, CEO da empresa, e Raína Biriba, co-fundadora e diretora executiva.
“O objetivo central é gerar um impacto sócio-economico na comunidade de artistas negros e indígenas brasileiros, que sofrem com a exclusão e o racismo institucional das artes visuais brasileira tradicional. Então, a feira tem sua curadoria focada em expor e vender arte autoral decolonial de jovens potências brasileiras das diferentes linguagens como fotografia, ilustração, escultura e pintura”, destaca Luana Kayodê.
A AFRO-ART tem a expectativa de receber cerca de 3 mil pessoas na Cardume Artes Visuais. Ao todo, o projeto visa movimentar um montante de R$500 mil reais em venda de obras de arte, promovendo articulação, equidade, geração de renda e protagonismo aos artistas e profissionais envolvidos.
Às pessoas interessadas nas obras, as possibilidades de compra vão além da compra física, sendo possível reservar as obras disponíveis por meio de um catálogo virtual. Além disso, a AFRO-ART também tem um compromisso em equidade de gênero, buscando formar e oportunizar profissionais LGBTQIAPN+ e PCDs.
O projeto tem patrocínio da Stella Artois e do Governo do Estado, através do Fazcultura, Secretaria de Cultura e Secretaria da Fazenda, contemplada através do edital Fundo Bora Cultura Preta, em que a AMBEV, em parceria com a PretaHub, inaugura sua política afirmativa voltada ao empreendedorismo cultural e à economia criativa negra. A realização é da AfrontArt – Quilombo Digital de Arte.
AfrontArt
A AfrontArt é uma empresa baiana de impacto social e inovação voltada ao fomento às artes visuais preta e brasileira, que desde 2020 vem construindo um espaço de referência para os artistas e profissionais afrodescendentes e originários, no que tange a circulação e venda de obras, criação, curadoria, qualificação profissional e fortalecimento da comunidade.
SERVIÇO
[AFRO-ART – Feira de Arte Afro-Indígena]
Data: 13 a 26 de janeiro de 2025
Horário: aberto ao público das 10h às 19h
Local: Cardume Artes Visuais, Rua do Bispo, 35, Salvador
Programação: exposição e venda de obras de arte e rodas de conversa abertas ao público
Entrada gratuita
Artes
Flicaj reforça cultura, ancestralidade e empreendedorismo em Cajazeiras
Um dos bairros mais populosos de Salvador, com mais de 150 mil habitantes, Cajazeiras foi palco da 3ª edição do Festival Literário de Cajazeiras (Flicaj), que ocorreu entre quinta-feira (5) e sábado (7), no Ginásio Poliesportivo. Com o tema “Africanidades Brasileiras e Cultura Periférica”, o evento teve em sua programação palestras, oficinas, lançamentos de livros e apresentações.
Música urbana, culinária, artesanato, graffiti, palhaços, teatro de fantoches, recitais infantis, contação de histórias, tecnologia e acessibilidade foram outros “ingredientes” que deram o “tempero” para que estudantes, crianças e jovens da comunidade pudessem experienciar o que o bairro tem a oferecer.
Realizado desde 2019, o objetivo foi promover o acesso à cultura, incentivando o desenvolvimento literário, com foco nas raízes afro-brasileiras e nas expressões artísticas periféricas, além de fortalecer a identidade local, suscitando o debate sobre cultura e literatura nas comunidades.
“A arte está aqui pra combater várias injustiças”, disparou a atriz baiana Edvana Carvalho, durante a abertura das atividades junto com o também ator Sulivã Bispo e mediação do jornalista Ismael Carvalho. Eles debateram acerca do grande celeiro de literatura e outras artes existentes na Bahia, além de terem cantado e declamado poesia. “A nossa arte é a representatividade do amanhã”, refletiu Sulivã Bispo.
Ancestralidade, comédia e políticas sociais
Rodas de capoeira e performances de dança afro com representantes de blocos afros da capital baiana como Siry Brasil (Rei do Muzenza), Jefferson Santos (Rei do Malê) e Larissa Valéria (Deusa do Ébano do Ilê Aiyê 2024) abrilhantaram a abertura da roda de conversa que celebrou a ancestralidade e a memória histórica do Bloco Afro mais antigo do Brasil. A mesa teve a participação de Valéria Lima, escritora e membro do Instituto Mãe Hilda Jitolu, Antônio Vovô do Ilê e o produtor cultural do bloco, Edmilson Lopes.
Dando continuidade aos debates sobre como as políticas públicas podem ser ferramentas de acesso à educação, o entretenimento, à cultura identitária e o letramento racial, o professor Emiliano José falou sobre legado e manutenção da política social ao lado do professor Lucas Reis e da mediadora Daniele Costa, tendo como base a vida e as obras políticas do político Waldir Pires.
Destaque no cenário da comédia baiana, Matheus Buente conversou ao lado de Naiara Bispo do “Clube Daz Minina” e a cantora trans Nininha, num papo que teve como base esse tipo de entretenimento como ferramenta de crítica social. O trio apimentou o debate de maneira descontraída sobre a maternidade solo, a paternidade responsável, a homofobia, a intolerância religiosa e os dramas urbanos do cotidiano no Brasil.
A oralidade como tecnologia ancestral e de resistência periférica trouxe ao palco do Ginásio Poliesportivo de Cajazeiras Jenifer Oliveira do Coletivo Zeferinas e Rool Cerqueira com mediação de Negafyah.
A escritora Cássia Valle contou um pouco da sua trajetória ao lado do escritor e mediador Adriel Bispo durante o lançamento de seus livros ” Contos para Erê e ” Heroínas da Liberdade “.
Música como narrativa de afirmação racial
O Grupo Pé de Lata, Sarau do Jaca, os Palhaços do Rio Vermelho, Rachel Reis, Camerata da OSBA, Grupo Ciranda, Coral Açu, Attooxxá e Djonga foram alguns dos grupos musicais que fizeram os jovens e adolescentes da comunidade de Cajazeiras vibrarem com seus ídolos tão de pertinho durante as suas apresentações no palco do Ginásio Poliesportivo.
Cotas raciais e o papel social dos influenciadores digitais trouxe para o público de Cajazeiras a influencer Paloma Barbiezinha, Wendel Muniz do Cajazeiras da Depressão com mediação de Rafaele Libório e Drª Livia Sant’anna Vaz enfatizou a importância das cotas raciais durante o lançamento do seu livro.
“Cajacity entre rimas e melodias” trouxe ao holofote o trabalho desenvolvido por Pivete Nobre, Trampo Raro, Áurea Semiseria e mediação de Esdras Tárcio, falando do olhar da juventude na cena hip-hop sobre o maior bairro da América Latina: Cajazeiras. Cordelistas, oficinas de graffiti e o ritmo do Afrobeat tinham apresentações simultâneas, encantando crianças e adolescentes que tinham seu primeiro contato com essa manifestação cultural.
A conexão da juventude periférica com a arte e literatura contemporâneas teve o papo mediado pela jornalista Luana Assiz e a presença de Camilla Apresentação, a Preta Letrada e Rilton Jr., Poeta com P de Preto.
A Flicajzinha e o pioneirismo cultural de Cássia Valle
A 3ª Edição do Festival de Cajazeiras homenageou a escritora, atriz e diretora teatral Cássia Valle em sua Arena Infantil 2024 – a Flicajizinha.
“Esse espaço foi pensado para a representatividade infantil na literatura negra e nada melhor para homenagear e reverenciar a escritora baiana Cássia Valle”, afirmou Ingrid Paixão de Jesus, titular da Gerência Estadual do Sistema de Bibliotecas Públicas da Fundação Pedro Calmon.
O escritor infantil Yalle Tárique é autor do livro “Diário de Uma Quarentena – Narrativas de Uma Criança na Pandemia” e o livro “Bucame – O pequeno herói”. Ele falou sobre a importância da literatura indígena e africana numa feira ou festival literário no Brasil.
“Ter uma feira literária é um incentivo não só para um grande bairro periférico que é Cajazeiras, mas também dá a oportunidade de levar a literatura para pessoas que muitas vezes não tem oportunidade. Pra mim, é uma honra estar aqui e cada vez mais vamos crescer e vamos fazer arte”, declarou.
Liliane Vasconcelos, uma das idealizadoras do projeto “Escrevivências Afrobaianas, realizado nas instalações do Colégio Estadual Edvaldo Brandão, mencionou sobre a importância de marcar presença na Flicaj 2024 com um grupo de meninas que se constroem em sua identidade racial e letramento poético através da literatura antirracista, divulgadas em espaços de feiras como essa na própria comunidade que elas residem.
A Flicajizinha foi apresentado por Naiara da Hora, apresentadora e atriz do Bonde da Calu e membro do Bando de Teatro Olodum. “É um festival de extrema importância por aproximar toda essa comunidade de Cajazeiras à cultura e à arte com uma programação lindíssima e uma estrutura colorida, acolhedora e fantástica para nossas crianças”, disse.
Os escritores e escritoras do Coletivo Liga do Dendê, idealizado pela gestora cultural Cássia Valle, também fizeram parte da grade de atrações da Arena Flicajinha. Nomes como Paula Britto e Niní Kemba são algumas das escritoras negras que fizeram parte dessa 3º edição da Flicaj. “É um prazer estar aqui na Flicajizinha e poder ajudar as crianças e jovens a se perceberem e se verem nas histórias. Isso é muito significativo pra mim”, concluiu a escritora Paula Brito.
A importância das culturas africanas e afro- brasileiras na formação da identidade infantil foi o tema do diálogo entre a escritora Ana Fátima, a performer de poesia infantojuvenil Duda Santhana e a escritora Niní Kemba Náyò.
A escritora baiana Lorena Ribeiro também lançou o seu livro “O divertido glossário da Jana” na Flicajizinha. O lançamento teve mediação de Taiane Bastos e contou com a presença da escritora Emília Nuñez, ganhadora do Jabuti Infanto Juvenil com o seu livro “Doçura”.
“A abertura da Flicaj foi pura alegria. Ver que em dezembro ainda pulsa literatura nessa cidade me deixa muito feliz. Poder ter lançado duas obras literárias, participar de bate-papos incríveis e ainda promover intervenção poética com o Bonde da Calu foi maravilhoso”, vibrou a escritora e multiartista baiana, Cássia Valle.
Africanidades brasileiras e suas potências literárias e corporais
Entre apagamentos e resistências, a escritora Luciany Aparecida, nascida no Vale do Rio Jiquiriça, reside atualmente em Salvador e dialogou sobre a trajetória de mulheres negras na literatura na Arena Flicaj ao lado das escritoras Helena Nascimento, fundadora do projeto Baobá de Histórias e tiveram como mediadora Karou Dias.
“A importância das festas literárias e das feiras literárias na Bahia e em todos os lugares é proporcionar espaços de diálogo, onde o público possa ter encontros com textos literários que nos possibilitem a pensar a sociedade de modo mais amplo, mais inclusivo, refletindo sobre o racismo e o machismo. A perspectiva da literatura em criar um cenário imaginário de liberdade, antirracista, é uma estrada sem volta pra que a gente possa avançar e ter um trabalho literário que trate destas perspectivas”, acrescentou a autora dos livros Mata Doce, Quarentena em Quarentena, Macala e Joanna Mina.
A professora e multiartista cachoeirense, Giselli Oliveira, mediou a roda “Diálogos sobre a acessibilidade na cena cultural da Bahia” ao lado de Dandara Rodrigues e Jonas Gustavo. “Sou de Cachoeira e lá temos a Flica, uma das grandes festas literárias do Norte Nordeste, onde participo de diversas formas ou como artesã ou como apresentadora e poeta. Para mim, participar de eventos como a Flicaj é de extrema importância por ser uma mulher preta e pessoa com deficiência. Tendo um corpo político, preciso ocupar estes espaços”, afirmou.
Para a multiartista, é preciso ocupar estes espaços para que temas como acessibilidade se torne real e não apenas uma teoria. Inclusive neste evento da Flicaj, a escritora enfrentou dificuldades em relação à acessibilidade compreendendo que nós estamos em construção social ainda, “engatinhando” quando o assunto é o anti-capacitismo e o acesso a eventos e equipamentos culturais pelo Brasil.
“A nossa dança é uma dança política, ancestral. É uma dança que nos representa, é a nossa herança e nos resgata”, enfatizou Jéssica Santana, dançarina profissional, coreógrafa e professora da Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Para ela, as apresentações culturais de dança afro-urbanas são um ato de resistência e é de extrema importância expandir as apresentações de dança afro-urbanas e africanas.
Gleice Ferreira, atriz e escritora indígena que mora em contexto urbano, participou da Flicaj e dialogou sobre a Literatura Indígena Contemporânea. “O apagamento indígena ainda é muito grande. A política de genocídio e etnocídio ainda quer nos calar, nos silenciar. A nossa participação nessas feiras é a gente ecoando a nossa rotina diária de luta. Cada um de nós somos uma floresta em pé” , declarou Gleice, da etnia Xucuru Kariri. Ela participou da mesa literária “Narrativas indígenas contemporâneas na Literatura Brasileira” ao lado do escritor infantojuvenil Yalle Tárique com mediação de Jade Lobo.
O Espaço Casa do Governo também proporcionou o fortalecimento da cultura identitária e a ampliação de acesso às políticas públicas sociais para a comunidade de Cajazeiras durante a Flicaj 2024. Com encontro de Fanfarras, intermediação de mão de obra, exposição de projetos estruturantes da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, a presença do “Zé Gotinha” através da Secretaria de Saúde da Bahia, o CrediAfro, o EGBA e o bate-papo com a cineasta Marise Urbano com o tema “Cinema Periférico” com exibição de documentários pela Funceb, a Flicaj 2024 proporcionou serviços gratuitos à população de Cajazeiras e adjacências.
“A presença do programa Corra Pro Abraço é justamente apresentar o nosso objetivo para a comunidade, acompanhar e dar apoio e suporte às famílias que têm jovens que são usuários de drogas com auxílio jurídico, equipe multidisciplinar com psicólogos, cursos profissionalizantes e registros de documentos de identidade. Estar aqui é humanizar as políticas públicas sociais para aproximar as pessoas de seus direitos civis como cidadãos na Bahia”, enfatizou Marcos Vinícius, membro da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADES).
A Flicaj encerrou suas atividades no sábado (7), abrindo o dia com a mesa literária “Entre apagamentos e resistências, a trajetória de mulheres negras na literatura brasileira”, com Helena Nascimento, Luciany Aparecida e Karou Dias na mediação. Pela tarde, teve o lançamento do livro “PombaGira, a Entidade Silenciada”, de Ana Mametto, além da mesa literária “Processos criativos afetivos na escrita de corpos dissidentes”, com Linn da Quebrada, Ryane Leão e Ana Mametto mediando. A mesa literária “Dinâmicas de escrita e oralidade para potencializar os direitos humanos no Brasil”, com Erika Hilton, Thiffany Odara e Bruno Santana foi muito aguardada. Por fim, o show de Djonga encerrou esta 3° edição do festival.
Matéria de Ana Paula Nobre (DRT/BA 3638) e Patrícia Bernardes (SRTE 4392 /BA)
Fotos: Elis Regina Sodré