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Opinião

“O incansável e sempre ativo pau grande e afetividade do homem negro” – Por Kauê Vieira

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Kauê Vieira
afetividade do homem negro

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Um sentimento poucas vezes discutido ou visitado, a afetividade sempre esteve presente na vida de um homem negro. Entretanto, ao longo dos séculos ela é deixada de lado, como se fosse uma necessidade secundária da vida dos afrodescendentes.

A negação e até o medo de expressar os sentimentos alimentado pelos homens negros reside em dois pontos: o racismo e o machismo, que de maneiras distintas regulamentam e limitam o espaço de atuação dos negros.

Com sua crueldade impiedosa, o preconceito faz com que muitos ou todos os homens da pele preta sejam reduzidos ao imaginário de que as únicas coisas que têm para oferecer são a virilidade, os músculos e claro, o incansável e sempre ativo pau grande. Supostamente com tais características o passaporte para o prazer está garantido.

Desde que aportaram navios negreiros com homens, crianças, mulheres e cadáveres vindos do continente africano, os corpos negros foram tratados como mercadoria. Expostos nas praças de cidades como Salvador, Ouro Preto e Porto Alegre, os negros, segundo os senhores brancos, serviam apenas para a reprodução e o trabalho.

Mesmo com a abolição da escravidão há pouco mais de 120 anos, o conceito se transformou, mas permanece vivo na mente da sociedade caucasiana do Brasil. Hoje o corpo do homem negro é vendido como mercadoria em troca de fotografias pelo celular e no carnaval, onde muitos deles são vistos nos braços de mulheres brancas de classe média alta, que desfrutam da pretitude, mas no fim do dia apresentam o namorado branco para a família.  

O pensamento de uma sociedade alfabetizada pelo racismo parte da lógica de que o afrodescendente ocupa o lugar de subalterno, uma espécie de escape para os relacionamentos branocentrados. É mais ou menos assim, o homem branco é a garantia de longevidade, estabilidade e de família feliz; já o homem de pele preta se coloca como um espaço de prazer, de festa e sedução. O corpo do homem negro é o carnaval da branquitude.

Nos mais de 300 anos de escravidão a mulher e o homem negro não tiveram o direito de expressar seus afetos e o conceito de família feliz passou e ainda passa longe da mira dos afro-brasileiros. No caso dos homens o território é ainda mais irregular em função do machismo, criado e alimentado por nós, mas administrado pelo homem branco.

afetividade do homem negro

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Sendo assim, mesmo sendo um reprodutor de práticas racistas e opressoras contra mulheres, principalmente negras, homem negro também sente os efeitos do machismo, que contribui para que ele esconda seus sentimentos e se veja limitado à sexualidade e ao trabalho. Com o homem branco, que ocupa um posto de domínio e oprime inclusive os homens negros, o machismo não o impede de expressar sentimentos e formar uma família.

Neste sentido as mulheres negras estão mais adiantadas nas discussões sobre afetividade e corporeidade do que os homens, que ainda não se atentaram para a necessidade de se abrir e trocar entre si experiências e dúvidas sobre amor, afetos e sensibilidade.

Toda vida, criados majoritariamente em bairros de periferia, os afrodescendentes são, parafraseando o grupo de rap paulistano Racionais MC’s, programados para morrer. Maiores vítimas de uma violência policial sem precedentes e que tem como único objetivo o seu extermínio, os homens negros sempre estão correndo. Das balas ou atrás de uma oportunidade que o mantenha longe das estatísticas.

A afetividade faz sim parte da vida dos homens negros, que têm o direito e o dever de dar vazão para os sentimentos que povoam seus corações. A escravidão tentou tirar muitas coisas de nós, descendentes de pretos africanos, contudo ela falhou acreditando que poderia levar o direito de ser feliz.

Existem aos montes famílias negras felizes e homens negros se declarando e expressando seus sentimentos. Nessa linha os relacionamentos afrocentrados contribuem e muito para essa troca de experiências e o crescimento mútuo. Caminhemos, mas caminhemos juntos!

afetividade homem negro

Kauê Vieira é jornalista formado pela Universidade Anhembi Morumbi, colaborador do portal SoteroPreta, foi produtor de conteúdo do Projeto Afreaka durante quatro anos, criando textos acerca da África contemporânea e também do seu passado.

Artigos

Parentalidades negras: Dói Gerar? – Por Aline Lisbôa

Jamile Menezes

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Aline Lisbôa

Aos 20 anos, ganhei minha primeira filha. Lembro que o meu maior desespero, naquele momento, não foi a maternidade em si, mas o medo de me tornar mais uma “guerreira”. Essa palavra, tantas vezes usada como elogio, sempre me soou como uma armadilha. “Guerreira” era o nome dado às mulheres negras que eu via à minha volta — sempre fortes, resilientes, mas quase nunca acolhidas. Mulheres que aprendiam cedo a engolir o cansaço e a transformar dor em sobrevivência.

Gerar uma menina preta, portanto, foi uma experiência marcada por aflições e esperança. Eu já tinha letramento racial suficiente para compreender que amar, dentro de um contexto desigual, iria me doer. Não porque o amor fosse escasso, mas porque amar uma criança negra em um país racista é um ato político — e, como todo ato político, carrega resistência e feridas.

Chorei e senti medo por longos nove meses. Idealizei a infância da minha filha e, inevitavelmente, revisitei as dores da minha. Cada contração parecia carregar também o peso das minhas histórias e de todas as meninas pretas que tiveram sua doçura interrompida cedo demais.

Mas a maternidade também me devolveu à criança viva que ainda existia dentro de mim. Quando minha filha sofreu seu primeiro episódio de violência racial, senti algo que nunca havia sentido antes: uma força ancestral que me empurrava a reagir. Era como se, naquele instante, eu fizesse as pazes com o silêncio imposto à menina que eu fui. Pela primeira vez, não calei. Escrevi, falei, denunciei. A maternidade, para mim, tornou-se um espaço de elaboração e cura coletiva.

A partir daí, passei a acreditar mais profundamente na potência transformadora do letramento racial nas famílias negras. É por meio dele que compreendemos o funcionamento do racismo estrutural e as relações desiguais entre pessoas negras e brancas — um sistema que atravessa as infâncias, molda oportunidades e define afetos. Educar uma criança negra sem esse entendimento é deixá-la vulnerável a uma violência que, muitas vezes, começa na escola, nas telas, ou no olhar do outro.

O letramento racial, portanto, não é um luxo intelectual: é uma ferramenta de sobrevivência e dignidade. Ele nos ajuda a nomear as dores, a identificar o racismo, e a responder a ele com consciência e estratégia — não mais com silêncio e culpa.

Lembro-me da matriarca da minha família, minha bisavó Celina. Mulher preta, sem estudos formais, mas dona de uma sabedoria que hoje reconheço como ancestral. Ela entendia, à sua maneira, o funcionamento do mundo e sabia como proteger seus filhos, netos e bisnetos. Sua forma de amor era também resistência. Celina não falava de “letramento racial”, mas vivia a prática da reexistência todos os dias — ensinando-nos a caminhar com dignidade mesmo quando o caminho era de pedras.

Hoje, quando olho para minha filha, percebo que gerar uma criança preta foi, acima de tudo, um ato revolucionário. Porque gerar, nesse corpo e nesse tempo, é também desafiar o projeto histórico que tentou nos apagar. E ser mãe/pai negros, com consciência racial, é transformar o medo em força, o silêncio em palavra, e o amor em luta.

Aline Lisbôa é mulher, negra, nordestina, mãe, educadora antirracista, consultora de diversidade, equidade e inclusão, pedagoga, psicopedagoga e pesquisadora, além de articulista e escritora. Seu livro “Quantos sim cabem em um não” está disponível AQUI. 

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Opinião

Trançar é trabalho: o reconhecimento oficial é vitória, mas a luta continua

Iasmim Moreira

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Trançar

Em junho de 2025, o Brasil deu um passo histórico: a profissão de trancista foi oficialmente reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sob o código 5193-15. Isso significa que o Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego, reconhece, de forma tardia, que trançar cabelos é ofício, é arte, é cuidado, é economia viva. E mais do que tudo isso: é trabalho.

O reconhecimento representa uma conquista fundamental para milhares de mulheres, em sua maioria negras, que sustentam suas casas e comunidades com as mãos, os fios e os saberes ancestrais que atravessam gerações. Trata-se de uma reparação simbólica e política, que marca o início de uma nova etapa para essas profissionais: a da reivindicação por direitos reais.

Mas é preciso deixar claro: esse reconhecimento, apesar de histórico, não resolve os problemas estruturais enfrentados pelas trancistas no cotidiano. A informalidade ainda é massiva. A precariedade também.

Trançar é estar horas seguidas em pé, muitas vezes sem pausas, sem ergonomia adequada, sem alimentação garantida. É adoecer com dores musculares, tendinites, varizes e não ter acesso a atendimento médico regular ou benefícios trabalhistas. É trabalhar em casa, dividindo o espaço com filhos pequenos, improvisando berços ao lado da cadeira de trança. É ser artista, psicóloga, educadora — tudo isso num ambiente que raramente é chamado de “profissional”.

Além do desgaste físico e emocional, existe o estigma. Por muito tempo, a atividade foi vista como “bico”, “coisa de quem não tem estudo”, ou “trabalho informal de periferia”. Esse racismo estrutural que desvaloriza o fazer preto, que silencia os saberes afrocentrados, também se manifesta nas ausências do Estado: não há linhas de financiamento específicas para esses negócios, nem políticas de formação técnica acessíveis, nem políticas de saúde do trabalho voltadas à realidade dessas mulheres.

O reconhecimento na CBO precisa ser mais que um selo burocrático. Ele deve abrir caminhos para políticas públicas efetivas: acesso facilitado à formalização, capacitação profissional gratuita, inclusão previdenciária, incentivos para empreendedoras da beleza negra, cuidados com a saúde física e mental dessas profissionais. Precisa ser prioridade nos planos municipais e estaduais de economia criativa, de cultura e de geração de renda.

Também é hora de rever o que se entende por “profissão”. O saber que vem da oralidade, da prática cotidiana e da vivência comunitária precisa ser valorizado tanto quanto aquele que vem da academia. Os saberes se der trancista são ensinados de mãe pra filha, de amiga pra amiga, nas vielas, nos quintais e nos salões. E isso é educação também. Isso é conhecimento.

Reconhecer as trancistas é reconhecer o valor da cultura afro-brasileira, a potência das periferias e a força das mulheres negras que movem o país com suas mãos. É legitimar que fazer trança é mais que estética — é identidade, resistência e construção de futuro.

Hoje, o nome das trancistas está, enfim, no papel. Mas a dignidade do trabalho vai além da formalidade. Exige investimento, cuidado e respeito. Porque trançar é trabalho. E como todo trabalho, merece ser protegido, valorizado e vivido com dignidade.

 

Por Iasmim Moreira

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Opinião

CONAPIR 2025: É hora de romper a narrativa que autoriza a morte de pessoas negras – Por Luciane Reis

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CONAPIR

A Conferência Nacional de Igualdade Racial precisa confrontar o discurso oficial de segurança pública que desumaniza e extermina corpos negros no Brasil.

Enquanto o Brasil se prepara para a Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR) de 2025, um tema precisa ocupar o centro do debate: como a narrativa oficial sobre segurança pública tem sustentado o genocídio da população negra, especialmente nas periferias urbanas.

Na Bahia, estado com a maior população negra do país, há mais de 30 anos se reforça um discurso de combate ao crime centrado em repressão e militarização. O resultado é conhecido: altíssimos índices de letalidade policial, sobretudo contra jovens negros. Mas o mais alarmante é que essa política vem acompanhada de uma comunicação que normaliza a violência estatal.

A linguagem da “guerra às drogas”, do “confronto” e do “bandido abatido” desumaniza as vítimas e esvazia o debate público. A sociedade é anestesiada por uma narrativa que transforma assassinatos em estatísticas e legitima a violência como forma de controle social.

O silêncio coletivo diante dessas mortes não é natural — ele é construído. É produto de uma comunicação estratégica que define quem deve ser temido, controlado ou eliminado. E os meios de comunicação, ao reproduzirem as versões oficiais sem questionamento, reforçam essa lógica.

A CONAPIR 2025 não pode ignorar esse pacto de silenciamento. Se pretende ser um marco real na promoção da igualdade racial, precisa enfrentar esse modelo de segurança e a forma como ele é comunicado. Isso significa:

  • Exigir uma comunicação pública antirracista, que enfrente os estigmas históricos contra a população negra;
  • Estabelecer protocolos responsáveis para a cobertura midiática de violência, que respeitem os direitos humanos;
  • Apoiar a mídia negra e periférica, que já produz contra-narrativas fundamentais;
  • Revisar as políticas de segurança com foco em cuidado, prevenção e reparação racial, e não em extermínio.

Segurança pública não é sinônimo de controle e morte. É direito à vida com dignidade, especialmente para aqueles que historicamente foram alvos do Estado.

Sem romper com essa narrativa que mata e silencia, não haverá igualdade possível.

A CONAPIR tem a chance de começar esse novo capítulo. Que não seja mais uma conferência de promessas — mas o início de uma reescrita coletiva da história, onde a vida negra não seja exceção, mas regra.

 

Luciane Reis é Comunicóloga, graduada em Publicidade e Propaganda pela UCSAL, especialista em Produção de Conteúdo para Educação e mestra em Desenvolvimento e Gestão pela UFBA e CEO Mercafro

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