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“Porque apenas para mulheres negras?” Uma questão de equidade e saúde mental- Por Laura Augusta

Foto: Vlad Sokhin
Certa feita estava indo a uma entrevista de emprego. A vaga solicitava um perfil voltado para a saúde da mulher e um certo engajamento acadêmico e político na luta dos direitos das mulheres. Eis que cito a criação da Rede Dandaras como um marco importante na minha trajetória enquanto psicóloga Menciono que a Rede tem o intuito de promover a saúde de Mulheres Negras, pensando em saúde como um conceito amplo, em todo o país.
Daí sou questionada: “Mas porque apenas para mulheres negras?”. Faço uma pausa e explico os índices de mortalidade materna, depressão, encarceramento e internação compulsória. Explico que as políticas de atenção integral à saúde da Mulher e atenção integral à População Negra nos tornam invisíveis, porém o incômodo de ter de responder essa pergunta me acompanhou durante a semana inteira.
Muitos questionamentos surgiram em minha mente, por conta da obviedade dos fatos e, enquanto mulher negra, em saber que ainda enfrentamos duas vezes mais chances de sofrermos feminicídio do que uma mulher branca, pois somos 59,4% das vítimas. Somos 65% das vítimas de mortalidade materna e 67% das vítimas de violência obstétrica, segundo o Ministério da Saúde. Vivenciamos em diversos níveis a interseccionalidade do racismo e machismo todos os dias.

Por escutar as narrativas próximas a mim, percebo a repetição dos repertórios e penso como os privilégios podem distanciar as realidades umas das outras. Diante dessas situações e de tantas outras que não poderiam cair na naturalização, vejo como extrema importância mencionar como o racismo estrutura, de mulher para mulher, a nossa estrutura psíquica. Quando restrinjo o gênero, quero mencionar que o fato de sermos mulheres já nos coloca em uma posição vulnerável nessa sociedade misógina, mas não isenta o racismo de caminhar pelas veredas dos relacionamentos entre as mulheres brancas e nós, mulheres negras.
Rede Dandaras lança Mapeamento de Psicólogas Negras contra racismo, machismo e LGBTfobia no Brasil
Os estereótipos que nos reservaram previam que muita coisa haveria de ruir quando os repertórios se repetissem e os contextos evoluíssem, mesmo que os paradigmas se perpetuassem. Estou falando da democracia racial, da meritocracia e outros que financiam a nossa estagnação social até hoje e a destruição da nossa saúde mental, das nossas ancestrais até nós e provavelmente de muitas que virão.

Todas nós conhecemos mulheres que sofrem de diabetes, hipertensão, gastrite, arritmia cardíaca e com uma escuta mais atenta, sofrem todos os dias o luto de um filho, um companheiro ou vivenciam a violência dentro de suas casas. Vivem o abandono afetivo ou a frustração das portas fechadas de oportunidades para si e para os descendentes.
Nós, com certeza, temos mulheres em nossas famílias que fizeram grandes sacrifícios para manter o alimento na mesa, sendo Salvador a cidade com maior quantidade de famílias chefiadas por mulheres, existe uma energia direcionada para o cuidar e o retorno desta energia – em sua maioria da vezes não acontece. E energia, cuidado, sentimentos, experiências e vivências constroem nosso itinerário de saúde. E nessa viagem longa, que se repete em muitas gerações, nós sabemos a cor das viajantes.
Quando menciono saúde mental, não menciono apenas a profilaxia das doenças, mas o processo do adoecer. Como se manter saudável sendo atravessada todos os dias pelos tiros que o racismo e o machismo nos dá? E como priorizar a saúde mental se a maioria da população brasileira – que é feminina e negra – precisa garantir os direitos básicos de acesso à alimentação, saúde, educação e ao mercado de trabalho? São perguntas duras de respostas incertas, mas a incerteza gera o diálogo, que nos aponta um caminho do cuidado.

A longa caminhada por mobilidade social gera grande sofrimento psicológico por conta das portas fechadas e todas as violações de direitos que fazem parte do contexto diário das mulheres negras, gerando sentimentos de menos valia, baixa autoestima e introspecção.
Com isso, pela violência do racismo, há possibilidade de depressão, ansiedade e outras doenças crônicas, como asma e fibromialgia. A resposta da questão de equidade é que vivemos em condição de urgência e emergência na promoção de nossa saúde para que continuemos contrariando estatísticas e construindo novas narrativas e enredos para nossas histórias.
Laura Augusta é Psicóloga, co-fundadora da Rede Dandaras, articulação que tem como objetivo a promoção da saúde através do pertencimento identitário, a construção de gênero e territorialidade.
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Parentalidades negras: Dói Gerar? – Por Aline Lisbôa
Aos 20 anos, ganhei minha primeira filha. Lembro que o meu maior desespero, naquele momento, não foi a maternidade em si, mas o medo de me tornar mais uma “guerreira”. Essa palavra, tantas vezes usada como elogio, sempre me soou como uma armadilha. “Guerreira” era o nome dado às mulheres negras que eu via à minha volta — sempre fortes, resilientes, mas quase nunca acolhidas. Mulheres que aprendiam cedo a engolir o cansaço e a transformar dor em sobrevivência.
Gerar uma menina preta, portanto, foi uma experiência marcada por aflições e esperança. Eu já tinha letramento racial suficiente para compreender que amar, dentro de um contexto desigual, iria me doer. Não porque o amor fosse escasso, mas porque amar uma criança negra em um país racista é um ato político — e, como todo ato político, carrega resistência e feridas.
Chorei e senti medo por longos nove meses. Idealizei a infância da minha filha e, inevitavelmente, revisitei as dores da minha. Cada contração parecia carregar também o peso das minhas histórias e de todas as meninas pretas que tiveram sua doçura interrompida cedo demais.
Mas a maternidade também me devolveu à criança viva que ainda existia dentro de mim. Quando minha filha sofreu seu primeiro episódio de violência racial, senti algo que nunca havia sentido antes: uma força ancestral que me empurrava a reagir. Era como se, naquele instante, eu fizesse as pazes com o silêncio imposto à menina que eu fui. Pela primeira vez, não calei. Escrevi, falei, denunciei. A maternidade, para mim, tornou-se um espaço de elaboração e cura coletiva.
A partir daí, passei a acreditar mais profundamente na potência transformadora do letramento racial nas famílias negras. É por meio dele que compreendemos o funcionamento do racismo estrutural e as relações desiguais entre pessoas negras e brancas — um sistema que atravessa as infâncias, molda oportunidades e define afetos. Educar uma criança negra sem esse entendimento é deixá-la vulnerável a uma violência que, muitas vezes, começa na escola, nas telas, ou no olhar do outro.
O letramento racial, portanto, não é um luxo intelectual: é uma ferramenta de sobrevivência e dignidade. Ele nos ajuda a nomear as dores, a identificar o racismo, e a responder a ele com consciência e estratégia — não mais com silêncio e culpa.
Lembro-me da matriarca da minha família, minha bisavó Celina. Mulher preta, sem estudos formais, mas dona de uma sabedoria que hoje reconheço como ancestral. Ela entendia, à sua maneira, o funcionamento do mundo e sabia como proteger seus filhos, netos e bisnetos. Sua forma de amor era também resistência. Celina não falava de “letramento racial”, mas vivia a prática da reexistência todos os dias — ensinando-nos a caminhar com dignidade mesmo quando o caminho era de pedras.
Hoje, quando olho para minha filha, percebo que gerar uma criança preta foi, acima de tudo, um ato revolucionário. Porque gerar, nesse corpo e nesse tempo, é também desafiar o projeto histórico que tentou nos apagar. E ser mãe/pai negros, com consciência racial, é transformar o medo em força, o silêncio em palavra, e o amor em luta.
Aline Lisbôa é mulher, negra, nordestina, mãe, educadora antirracista, consultora de diversidade, equidade e inclusão, pedagoga, psicopedagoga e pesquisadora, além de articulista e escritora. Seu livro “Quantos sim cabem em um não” está disponível AQUI.
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#Opinião: “E eu não sou uma criança?” Uma análise sobre a ausência de crianças negras de favelas na literatura por Aline Lisbôa
Demorei anos para compreender porque que não me encontrava nas literaturas infantis. Para além da ausência de representatividades, onde coelhinhos não ficassem pretos ao entrar em um balde de tinta, também sentia o distanciamento dos ambientes apresentados naquelas literaturas. Eu, que era uma menina negra, de comunidade, filha de pais e avós negros, oriundos dessa mesma comunidade, sabia que aquela infância, branca, colonial e elitizada representada nas literaturas infantis não era a minha.
Durante a infância no ambiente escolar, eu sentia um desinteresse muito grande pelas literaturas, que hoje com bastante transparência, explica-se pelo fato de que como a maior parte das crianças, eu iniciava a escolha e desejo de ler um livro através da linguagem não verbal, mensagens transmitidas pelas ilustrações daquela literatura. Insubmissa desde sempre, ao não me ver como criança, que aprende, que ensina, que convive e que é educada pelo viés psicoeducativo da literatura infanto-juvenil, recusava-me a ler e participar com engajamento, de tais atividades, das quais eu e o meu lugar não pertencia.
A ausência de crianças negras de favelas na literatura infantil tem uma mensagem excludente e muito profunda, sobre lugares. Considerando que a primeira lei da educação proibia pessoas negras de frequentar as escolas, a educação, feita para perpetuar modos de vida, que aqui no Brasil são coloniais, tenta negar os espaços das aprendizagens, academia e intelectualidade às infâncias negras desde sempre.
Assim, a estratégia de não representar essas crianças, bem como a potencialidades que existem nas favelas, é a manutenção do racismo estrutural, assegurando o privilégio de aprender com engajamento a um grupo social e negando aprendizagens sólidas e dialógicas a um outro grupo. Se a alfabetização é a forma de começar a ler o mundo, entende-se a existência de alguns “planetas” nessa cosmovisão literária, que deveria ser diversa, onde muitas histórias não são contadas, mas sim apagadas e controladas pelo epistemicídio que atravessa as literaturas.
Quando pensou-se em uma única imposição de lugares para as nossas crianças, surgem autores e autoras negras compreendendo o ato político de contar as nossas próprias histórias. Pois agora, ainda que com poucas literaturas, as favelas, marginalizadas e estereotipadas pela sociedade, já fazem parte de uma luta contra o apagamento literário das nossas crianças da comunidade.
Como educar através do imaginário construído nas literaturas, a nós, que também somos crianças, se não estamos ali?
Como educadora e escritora enraizada em uma periferia, digo-lhes, que a poesia do slam, rodas de freestyles, assim como das ladainhas de capoeira e rodas de samba, calçaram a minha escrita, poética ou não, mas sobretudo a representatividade do eu-lírico que proponha-se a contar sua própria história, me fez alçar a escrita com mais propriedade. Há muita potencialidade, assim como fragilidades a serem contadas por nós, para os nossos.
O ouvir e aprender periférico nos distancia da perspectiva de quem somos, através do olhar do colonizador. Crianças negras precisam de representatividades positivas dentro de uma perspectiva construtiva, mas sobretudo, decolonial. As infâncias são diversas, mas todas urgem a descolonização literária das histórias, e falar de favelas nas literaturas, é descolonizar as escritas.
Aline Lisbôa é mulher, negra, nordestina, mãe, educadora antirracista, consultora de diversidade, equidade e inclusão, pedagoga, psicopedagoga e pesquisadora, além de articulista e escritora.
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#Opinião: Como experimentar relações sexuais positivas? – Por Januário
Já se sentiu drenado e em confusão mental, após ter relações sexuais? Do ponto de vista espiritual, isso ocorre porque somos seres cósmicos, com espírito, alma e corpo. Vibramos em padrões energéticos diferentes, portanto, todas as nossas interações com outras pessoas são trocas de frequências energéticas. Em outras palavras, nossa energia – sexual, inclusive – se mistura à da outra pessoa. Por isso, é útil tomar determinados cuidados, se queremos trocas sexuais que agregam positividade.
A energia sexual tem origem no Swadhistana, nome hindu para o chakra sexual, localizado abaixo do umbigo, até o sacro, osso triangular da base da coluna vertebral. Durante o ato sexual – casual ou em um relacionamento estável – através dos chakras, entrelaçamos espírito, corpo e alma. Esse fenômeno possibilita a criação de um cordão energético, e, com ele, o estreitamento dos laços entre os corpos espirituais. Esse processo pode nos impregnar com a energia da outra pessoa e vice-versa, levando, no mínimo, seis meses para se desfazer.
Contudo, em situações violentas, como estupro, o cordão energético pode continuar por anos, repercutindo de maneira negativa e dificultando a nossa iluminação espiritual. Por esse raciocínio, percebemos a covardia moral na atrocidade do estupro e compreendemos que as leis humanas refletem, mesmo imperfeitas, o nosso caráter divino, ao penalizar estupradores. Em paralelo aos prejuízos psicológicos, encontramos no estupro um ataque energético, que revela a corrupção moral dos autores dessa barbárie.
Neste respeito, compreender o sentido maior ligado ao conceito de cultura do estupro – na qual os meios de comunicação fomentam e enfatizam violências múltiplas contra as mulheres, objetificando os seus corpos – nos ajuda a compreender que aos prejuízos causados contra os corpos de quem é violentado, opera a violência espiritual de sujar o campo energético das vítimas.
Contudo, para além dos estupros, nossa aura também pode ser intoxicada em intercursos sexuais feitos com irresponsabilidade. Sexo é uma necessidade orgânica, mas, sobretudo, uma afirmação do nosso caráter divino, logo, buscar nessas relações, a reciprocidade do prazer sexual, utilizando nossos corpos para erotizar o outro, promove o bem-estar, a saúde mental e o contentamento. Isso harmoniza os chakras das pessoas envolvidas e gera uma psicosfera que potencializa a intimidade e o gozo. Devemos lembrar que a energia sexual é poderosa e quando utilizada para a satisfação mútua, potencializa o deleite, durante e mesmo após o enlace, contribuindo para que as pessoas se sintam acolhidas.
Longe de estabelecer um modelo ideal para as condutas sexuais, devemos levar em conta as subjetividades da outra pessoa com quem temos tal intimidade. Isso funciona como uma espécie de preservativo energético: utilizar o próprio corpo para colaborar com o orgasmo do outro demonstra respeito e empatia, que, além de aumentar a probabilidade da união cósmica, também previne contra a ação de larvas astrais.
Quando, durante o sexo, levamos carinho e cumplicidade, evitamos o surgimento de criações mentais, causadoras de insônia, cansaço e frustração. Em termos simples, o que pode ser melhor? Ser egoísta ou altruísta? Ir para a cama visando apenas o próprio prazer ou contribuir para que, independente de compromissos pautados por uma moral sexual dita civilizada, haja generosidade e troca?
Talvez na história do Ocidente, nunca tenha se falado tanto sobre sexo. Por outro lado, a frustração com esse tema nunca tenha sido tão alta: a pesquisa Love Life Satisfaction, realizada pelo Instituto Ipsos, em fins de 2022, revelou que a população brasileira tem um nível de satisfação sexual em 60%, 3 pontos percentuais abaixo da média mundial. Pouco ou nenhum diálogo e falta de conhecimento sobre o próprio corpo são os principais motivos listados pelos brasileiros. De fato, sem comunicação, como é possível desfrutar do sexo com plenitude? Como é possível ser positivo sexualmente, sem conhecer o corpo físico, mental e espiritual?
Enquanto a ideia comum sobre o ato sexual se restringir a uma mera descarga de hormônios, o aumento da insatisfação será cada vez mais provável. Por outro lado, quando compreendemos a nossa natureza espiritual, percebemos o aspecto transcendente desse maravilhoso Jardim das Delícias, que nos aproxima do Sagrado.
Armando Januário dos Santos é Taroterapeuta de O Baralho de Maria Padilha, Mestre em Psicologia e Palestrante. WhatsApp: (71) 99278-9379 / Instagram: @tarot.maria.padilha
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