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#PoesiaSoteroPreta – Teimosia é o nome dessa menina-poesia-preta, Fabrícia de Jesus!

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Fabrícia_de_Jesus

Fabricia de Jesus

O poema “Dor” foi o debut, a estreia de Fabrícia de Jesus. Escondido no final do caderno, estripulia de quem ainda não sabia que é poeta. Poeta de poesia preta, escrita em 2003 durante o cursinho pré vestibular no Instituto Cultural Steve Biko. A cumplicidade foi com a professora de Português, que lhe batizou poetisa, em 2013. Até então Fabrícia não se sabia escritora nem se compreendia negra. Foram duas descobertas fascinantes, libertadoras!

Este recorte racial, agora consciente, atravessa toda a sua produção, carrega as vivências, que é molhada de suor, labutas, abstratos expressos, cotidianos de quem sente a negritude em pele.

Na escrita, Fabrícia fala da alma, estampa a retina do seu terceiro olho, evoca os alvoroços de suas dúvidas, a complexidade das verdades questionáveis. A poesia desta menina-poeta é linha de partida; seus meios, seu chegar, seu fio de alta tensão, a arritmia do seu apanhador, do seu carrega-dor, do pulsante afagador que lhe guia. A poesia é sua fuga, sua busca; é ela mesma, poeta, empurrando as portas, as normas; se traduz em seus caminhos, os passos, os laços, os nós, a própria voz.

“A poesia tem o poder de unir gente, neste aspecto faz rima com família, já que nos fortalece, integra, identifica, nos torna pertencentes e usuários de mesmo corpo – língua”, afirma Fabrícia de Jesus.

Além de escrever nos ônibus, ela publicou no Sarau Brasil, Revista Quilombo e na coletânea “O Diferencial da Favela: Poesias e Contos de Quebrada” (Sarau da Onça, Editora Galinha Pulando), além de postar no Facebook.

E sobre a publicação, Fabrícia viaja: “acho que tenho mais escritos no busu do que publicados (rsrs), embora reconheça a importância de estar nestes impressos, visto que precisamos sair da posição de “estudados” para sermos sujeitos contadores e protagonistas de nossa própria história. Mas confesso que gosto de pensar que no coletivo, entre um destino e outro vários ‘eus’, viajam nas minhas curvas e linhas, em trânsito está a subjetividade das minhas poesias”.

Fabrícia_de_Jesus

A Menina-Poesia Soteropreta

Fabrícia de Jesus, mãe de uma linda e moleca menina, preta, suburbana, filha de uma família dominada por mulheres valentes, foi gerada por amor e criada nele. Já vendeu quiabos, já vestiu robalos, já passou maus bocados, e teve um período que sofria escondida, fase brusca da vida, outros tempos…

É estudante de Serviço Social, poetisa, ativista, parte do coletivo Sarau do Cabrito (pelo qual carrega uma enorme gratidão), membro do Coletivo de Entidades Negras–CEN, é feliz e desenvolve um trabalho na ONG E². É atravessante de mar para amar de perto, é o próprio verso, seja ele cortante em protesto ou doce feito riso rio. É uma errante encabulada que pede suco de acerola no bar e se embriaga sem nem sentir o pecado na boca.

É teimosa, às vezes engraçada, segundo os amigos. É desenfreada e fascinada pelos detalhes mais baratos, e repete pra si: “já que a vida é indefinida eu prefiro sentir”.

 

A Solidão é Preta

Como se não bastassem as mazelas excludentes erguidas pelas dimensões de direitos sociais negados, resguardados a nós diversos crivos psicoemocional. Somos perpassantes em construções machistas racistas. Somos assassinos e vítimas desta sociedade perversa.

A dor lateja, maltrata e adoece o corpo… Somos frutos da história. A poesia de raça única não declama-se diante um povo brutalmente violentado. Quanto mais negroide nossos traços quanto mais preta nossa pele, mais preterimento mais exclusão mais dor mais solidão.

Fomos sentenciadas ao celibato definitivo. A invisibilidade. Ao prazer momentâneo. Ao esquecimento. Aos danos. Aos danos.

Somos seres sem sermos, pedaços… Sobreviventes nestes 128 anos de alforria desencontrada, marginalizada. Fomos as estupradas para o nascimento do Brasil mestiço. Somos desumanizadas, confinadas ao encolhimento do corpo, ao silêncio da sala. Na frieza do colorismo, nos índices dos feminicídios, as tristezas não ficaram nas senzalas. 

Na falácia que o amor não tem cor, a conta nunca bate exata, sobram as pretas, multiplicam-se as mágoas. Proclamaram que status é loira ao lado. Que peso. Que fardo… Gosto é construção social e o homem preto também fora submetido aos padrões eurocêntricos. Subjetividades agredidas. A solidão tem cor. Desconstruir é preciso. Se o amor faz bem… nós queremos também. Ficar só é normal… quando opcional. (Fabrícia de Jesus)

Valdeck Almeida

Poesia Soteropreta

Texto inaugural de Valdeck Almeida de Jesus para o espaço “Poesia Soteropreta”, que vai evidenciar, divulgar e fortalecer a Poesia Preta, Periférica e de Resistência do cenário literário de Salvador. O Espaço será alimentado semanalmente pelo escritor, pautando novos e novas soteropret@s que despontam na Poesia negra da cidade. Valdeck é escritor, poeta, jornalista, ativista cultural. Membro-fundador da União Baiana de Escritoress – UBESC e do Fala Escritor (2009).

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A necessidade de conhecermos nossos quilombos

Amanda Moreno

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A necessidade de conhecermos nossos quilombos
A necessidade de conhecermos nossos quilombos (Foto: Divulgação)

*Carlos Henrique Cardoso

Trabalhando com estudos quilombolas, me dei conta da situação de dificuldade que vive algumas comunidades. Não que estejam em penúria econômica ou alimentar, mas na convivência cotidiana com grandes empreendimentos nas proximidades de seu território, além de lidarem com madeireiros e pessoas ligadas ao crime organizado. Em visitas de campo, pude presenciar in loco algumas situações.

Em Pitanga de Palmares, Simões Filho, há uma colônia penal praticamente no centro da localidade. Muitos convivem com o perigo de uma rebelião ou escapes de prisioneiros, o que acarretaria presença maciça de policiais e agentes em uma perseguição pelas cercanias. Gasodutos estão instalados com placas indicando rotas de fuga caso ocorram acidentes. A Companhia de Água e saneamento do Estado (EMBASA) constantemente realiza obras de manutenção da Barragem do Rio Joanes, lá situada. Recentemente, torres de linhas de transmissão de energia foram instaladas nas proximidades, o que gerou preocupações com a circulação de operários e pessoas estranhas à comunidade.

Em setembro de 2023, a líder local Bernadete Benício foi assassinada em sua residência, uma violência que marcará durante muitos anos esse quilombo. O crime virou notícia nacional e vários movimentos e populares cobraram a resolução. Segundo inquérito policial, os assassinos são todos envolvidos com o tráfico de drogas na região. Conheci essa liderança quando lá estive, em 2022, inclusive me hospedando em sua residência. Na ocasião, ela queixava-se dos interesses de madeireiros naquela região, cercada de densas florestas e terreiros de candomblé.

O quilombo Dandá, há poucos quilômetros dali, às margens da BA-093, convive com o pedágio administrado pela Concessionária Bahia Norte. Seus habitantes se queixam das obras de construção das baias, quando muita terra e entulho era jogado em qualquer lugar, com o perigo de assoreamento do rio local. Atualmente, solicitam gratuidade no pedágio, porém, sem sucesso.

Em Cachoeira, o quilombo Kaonge é um pedaço do paraíso, tranquilo e equidistante do município. No entanto, queixam-se da dificuldade no transporte e lembram dos inúmeros transtornos ambientais ocasionados após o funcionamento da Barragem Pedra do Cavalo, o que fez com que várias espécies que tinham o Rio Paraguaçu como habitat desaparecessem, atrapalhando a vida de pescadores e marisqueiras.

Todas essas comunidades convivem há décadas – ou séculos – com dificuldades de titulações, reconhecimentos, além dessa convivência com o funcionamento de empresas e pequenas indústrias nas suas proximidades. Clóvis Moura considerava os quilombos como “microcosmos das lutas sociais brasileiras”. São locais que almejam fortalecer relações de parentesco, tradições culturais, saberes de seus antepassados, práticas religiosas e culinárias típicas. O trabalho de artesãos é um bom exemplo da manutenção de conhecimentos tradicionais que permanecem vivos com o avançar das gerações.

Quilombos são categorias de lutas e memórias de um povo sofrido pelos horrores da escravidão e pelo desejo de cidadania plena, direitos, e afirmação étnica. Grande parte de nossa sociedade desconhece suas histórias ou, infelizmente, nutre desconhecimentos ou desconfianças sobre eles (alguns até consideram que são locais que constantemente sofrem “influências de ONG’s”). Que o ensino de História da África vigore nos currículos escolares, e possamos ter um estudo eficiente sobre a determinação e dignidade desses povos.

*Carlos Henrique Cardoso é Mestre em Antropologia

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#Opinião – O pavor da morte: reflexões sobre o inevitável – Por Armando Januário

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Causou revolta e horror o fato ocorrido na última terça-feira, 16 de abril de 2024, quando uma mulher conduziu um senhor morto a uma agência bancária, em Bangu, Rio de Janeiro. Distante do desejo de julgar, a nossa questão é saber como a sociedade tem se relacionado com um evento inevitável, do qual pouco se fala, seja por medo, dor ou superstição.

O temor da morte é perfeitamente compreensível. Quando somos trazidos à vida, temos um instinto inato de preservação. Todavia, diariamente, há o confronto com esse instante: a exposição midiática da morte em assassinatos cruéis, o falecimento por suicídio, o gosto amargo da derrota ante uma doença terminal, são exemplos de uma sociedade educada para ignorar que morremos ao nascer, momento no qual a contagem dos nossos dias conhece os seus ciclos de duração: infância, adolescência, fase adulta e terceira idade.

Deveríamos nos preparar melhor para morrer, haja vista nossa consciência estar para além da extinção do cérebro, conforme demonstra a obra Ciência da Vida Após a Morte, de vários autores, entre eles, o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Desde as Experiências de Quase Morte (EQMs), passando pelos fenômenos mediúnicos, até chegar as aparições e memórias de vidas passadas, fica evidente a racionalidade sobre os fenômenos que envolvem a caminhada do espírito, através da pluralidade da existência.

Somos constante energia em movimento cíclico, destinada a passar por essa e tantas outras materialidades existenciais, até compreender o sentido da vida. A tristeza integra esse sentido. A alegria também!

Armando Januário dos Santos é Trabalhador da Luz, Mestre em Psicologia, Psicólogo (CRP-03/20912) e Palestrante. Contato: (71) 98108-4943 (WhatsApp).
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#Opinião – Quem te oferece afeto quando você não se sexualiza? Por Lidiane Ferreira

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Há pouco mais de um ano tornei-me solteira, e nesse tempo, em que caminho de mãos dadas a mim mesma, criei alguns perfis em apps de relacionamento. Confesso que conheci muita gente legal, mas hoje, enquanto deslizava os dedos pelas redes sociais, a procura de nada, deparo-me com o seguinte post:

Fiquei presa nesta postagem por alguns minutos e até printei a tela. Segui passando e passando pelas publicações, mas ainda assim envolvida naquele post. É, minha gente, eu fiquei pensando na minha condição de mulher negra, no quanto o meu corpo é subjugado e posto à marginalização, à hipersexualização. Fui nas minhas conversas e vi a quantidade de homens, que buscam, talvez, uma preta disponível para suprir seus desejos. Chegam sempre muito gentis, até o momento em que se dão conta de que aquilo não é o que esperavam, aí mudam o comportamento, somem, deixando um vazio e uma sensação de que é errado se resguardar. Uma total falta de responsabilidade afetiva, resultado da manutenção de valores coloniais na atualidade, a colonialidade.

O reflexo da colonialidade se torna, nesse contexto, o principal fator de efetivação desses comportamentos, vivenciados por mulheres negras, desde a infância. O preterimento e a exclusão do afeto surgem ainda na infância, quando na escola a menina negra nunca é a escolhida para nenhuma atividade, por exemplo. E seguimos marcadas pela dor, causando, em alguns casos, sérios problemas de cunho psicológico, que chegam a interferir nas relações sociais e afetivas.

Diante disso, ainda dá para acreditar no amor? Sim, felizmente o afeto não está restrito a relações conjugais: temos famílias, amigos, pets… temos, principalmente, algo que precisa ser constantemente nutrido: nosso amor próprio. Sabemos que príncipes não existem, sejam eles negros ou não. Mas não é porque sabemos da inexistência que aceitaremos o pouco que nos dão, porém isso torna-se perceptível quando aprendemos a nos amar. O desejo pela construção e manutenção da família precisa ser pautado, antes de tudo, a partir do nosso bem-estar. Estar bem é algo inegociável, e isso só acontece quando entendemos que o amor é uma coleção de pequenas e grandes demonstrações de afeto.

Estamos aprendendo a caminhar com o afeto, que nos foi negado. O afeto é uma construção individual e coletiva, ao mesmo tempo em que é uma descolonização de pensamentos. Descolonizar é parar de enxergar nós mulheres negras como iguais, pois o racismo estrutural distorce e dificulta a nossa capacidade de amar, de sermos amadas e respeitadas. Sigamos na luta!

 

Lidiane Ferreira é  poeta, Profª de Língua Portuguesa ‍ Especialista em Ed. Gênero e D. Humanos (UFBA) Membra do @enegrescencia. Baiana e mestranda PPGEL/UNEB. | @lidianeferreira._

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