Literatura
Davi Nunes e Bucala: uma literatura negra infantil feita para sentir e refletir

“Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula” é o título do livro do escritor soteropreto Davi Nunes, lançado ao final de setembro. “Uma menina que vive aventuras no Quilombo do Cabula no século XIX, sendo que este quilombo foi um lócus de resistência ao sistema escravagista em Salvador, destruído em 1807”, ele descreve. Davi topou a entrevista e falou de Bucala e literatura negra. Confere:
PortalSoteroPreta – Porque trazer o bairro do Cabula como cenário do livro Bucala?
Davi Nunes – O Cabula é o local da minha cartografia afetiva, onde os meus passos se iniciaram seguindo o passar da minha avó, da minha mãe, tias, tios, e agora os meus sobrinhos e sobrinha segue o caminhar meu e os dos meus irmãos. No Cabula passei a infância entre o bairro Beiru/Tancredo Neves e Narandiba. O Beiru era e é uma periferia urbana tradicional: multidimensionalidade de pessoas, casas de blocos nus, telhas de Eternit, laje e polifonia rítmica popular. Era o que havia de mais moderno pra mim.
PortalSoteroPreta – Qual impacto deste cenário em sua escrita?
Davi Nunes – O que poderia ser ruim, por incrível que pareça, era, de certa forma, uma bênção, pois ainda se tinha uma natureza considerável, vivências de reminiscência de quilombo, o que me possibilitou ter uma infância livre, correndo ainda pelas matas, traçando aventuras. Essas vivências periférico-quilombolas no processo de escrita me possibilitaram imaginar Bucala, uma menina que vive aventuras no Quilombo do Cabula no século XIX, sendo que este quilombo foi um lócus de resistência ao sistema escravagista em Salvador-Ba, destruído em 1807.

Foto: AdelmirBorges
PortalSoteroPreta – Como você vê a atual produção literária infantil de negros e negras?
Davi Nunes – São muitas, o livro infantil além do texto exige ilustração e uma boa diagramação para fazer com que ele possa existir de forma digna e ter sucesso, além de ser muito difícil encontrar uma editora que queira apostar nisso, ainda mais em se tratando de autor(a) negro(a) que escreve sobre temas relacionados à negritude e à africanidade. O racismo editorial oblitera o caminho que muitos nem pensam em se arriscar no gênero. No entanto, é necessário perseverar e ir rompendo as barreiras visíveis e invisíveis no caminho.
PortalSoteroPreta – A leitura ainda é uma deficiência em meio às crianças negras? O que ainda pode ser feito?
Davi Nunes – Não gosto de restringir a leitura das nossas crianças somente ao texto escrito, acho que as formas de leitura são muitas e elas conseguem ler o mundo de forma bem inteligente, agora com relação ao letramento literário, ele sempre foi feito de forma equivocada, não só aqui no estado da Bahia, mas no país inteiro, sempre com os livros dos escritores brancos, cujos enredos pouco ou quase nada dizem sobre a realidade das crianças negras, logo um descompasso simbólico e representativo tornou durante muito tempo o mundo das letras mais ríspido para elas, mas com as publicações crescentes de escritores negros(as) por todo país isso vem melhorando.
PortalSoteroPreta – A Lei 10.639/03 está há mais de 10 anos sem ser devidamente cumprida. Como fazer com que histórias negras sejam contadas nas escolas?
Davi Nunes – O Brasil é um país de leis dissimuladas, ainda mais as direcionadas para a população negra, no papel se apresenta como inclusivas e “cidadãs”, mas a própria estrutura racista das instituições do país como um todo dificulta, ou impede a sua implementação e funcionamento. Acho que isso é exemplar com a Lei 10.639/03. Penso que temos que nos voltar para as nossas comunidades, construir as nossas bibliotecas e escolas para educar em princípios civilizatórios, educacionais africanos e afro-brasileiros as nossas crianças.
PortalSoteroPreta -O que você sente ao ver uma criança negra tendo “Bucala” às mãos?
Davi Nunes – Tenho tido um retorno muito bom das crianças, principalmente das meninas, elas se veem na personagem e destaco aqui, além do texto, o trabalho de ilustração de Daniel Santana. Ele ilustrou de forma primorosa o texto que escrevi e o resultado vem sendo criar um imaginário identitário e ancestral positivo para as crianças que leem o livro. Isso nos deixa feliz.
PortalSoteroPreta – Em outras áreas, como está sua produção?
Davi Nunes – Ando escrevendo muito. Em 2015 tive o conto Cinzas adaptado para o cinema pela cineasta Larissa Fulana de Tal, também dividi o roteiro do filme Cinzas com Larissa. Agora, em 2016, fui selecionado no Prêmio Literário Enegrescência para participar da Antologia Literária, na qual publiquei oito poemas, além de ter sido selecionado para compor o 6º volume da Coleção Besouro, o livro A Makena e o Faraó, com o conto infanto-juvenil, O Menino das Vinte oito Tranças um Rei Faraó, além de ser colaborador de um site de cultura de EUA, Cores Brilhantes. Mantenho um blog que versa sobre a cultura afro-brasileira, chamado Duque dos Banzos. Ando também com um romance, um livro de contos e de poesia escritos, dialogando com editoras e concorrendo em concursos literários para a publicação.
PortalSoteroPreta -O que ainda precisa ser dito sobre a história de negros e negras para as crianças?
Davi Nunes – Há muita coisa a ser dita, temos uma história a ser restaurada que foi, de certa forma, interrompida com o tráfico transatlântico, com a escravização, com a favelização e racismo contemporâneo. Temos que colocar as nossas vitórias em vitrine histórica, há muito a ser feito e dito. Não sei sintetizar isso numa frase, mas talvez seja passar para as crianças a noção de que somos grandes e originais desde o primeiro momento em que surgimos nesta terra.
Davi nos cita alguns escritores negros baianos que publicaram livros infantis: Lázaro Ramos (“A Velha Sentada”, “Caderno de Rimas de João”), Maria Gal (“A bailarina e a folha de sabão”), Mel Adún (“A lua Cheia de Vento”), Érico Brás (“Lindas Águas: o mundo da menina rainha”).

Foto: AdelmirBorges
Literatura
IFBA celebra Mãe Stella de Oxóssi em Festival Literário

O Instituto Federal da Bahia (IFBA) realiza, no dia 26 de setembro de 2025, na sede da Reitoria (Canela, Salvador/BA), a primeira edição do Festival Literário da Reitoria do IFBA.

Isabelle Sanches|Mãe Valnízia|Iraildes Nascimento
O evento integra as ações da Política de Arte e Cultura do IFBA, coordenada pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), e busca consolidar-se como um espaço de promoção do livro, da leitura e da literatura, em diálogo com a arte e a cultura, valorizando a inclusão, a diversidade cultural, a acessibilidade e a democratização do acesso a bens culturais.

Ryane Leão
Nesta edição inaugural, o Festival homenageia o Centenário de Mãe Stella de Oxóssi (1925–2025), sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá, escritora e intelectual negra baiana, autora de obras como Meu tempo é agora e Òsósi – o caçador de alegrias. Sua trajetória e pensamento reafirmam a importância das religiões de matriz africana, da memória afro-brasileira e da luta antirracista, valores que inspiram e orientam as atividades do evento.

Dayse Sacramento/Coordenadora-Geral da Editora IFBA (EDIFBA)
As inscrições para as oficinas do I Festival Literário da Reitoria do IFBA já estão abertas. As vagas são limitadas (30 por oficina) e cada participante poderá se inscrever em apenas uma oficina, já que elas acontecem no mesmo horário. Garanta sua participação preenchendo o formulário no link: https://forms.gle/
SyWGbufF33666tG

Foto: Divulgação/Slam das Minas
O Festival conecta-se ainda a experiências literárias já realizadas em diferentes campi do IFBA, como a FLIFCAM (Camaçari), o Projeto Talentos Emergentes (Brumado) e a Festa Literária Nacional da Rede Federal (Jequié), consolidando-se como parte de uma política institucional de valorização da arte, da cultura e da literatura.
Programação – 26/09/2025 | Reitoria do IFBA – Canela (Salvador/BA)
10h às 12h – Oficinas
- Oficina de Escrita Criativa – Ryane Leão
- Oficina Metodologia Ancestralitura – Slam das Minas Bahia (Ludmila Singa, Negafyah e Má Reputação)
14h – Abertura oficial
- Fala institucional da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), Nívea Cerqueira
- Fala da Coordenação do Festival, Dayse Sacramento

Ivana Freitas
14h30 às 16h – Mesa Temática: Mulheres Negras e Literatura de Terreiro
Convidadas: Valnízia Pereira (Mãe Val), Iraildes Nascimento, Isabelle Sanches
16h30 às 18h – Sessão de Lançamentos de Livros
- Ivana Freitas: O ponto e a encruzilhada: a poesia negra rasurando a memória, a história e a literatura oficial através da intertextualidade
- Crislaine Rosa: Beije sua preta em praça pública: da apropriação do corpo à apropriação do espaço
18h às 18h40 – Intervalo Cultural
- DJ Nai Kiese (Coreto da Reitoria)

Samba Ohana
19h às 20h30 – Mesa Temática: Escritas do Futuro – autoras negras e escritas da vida
Convidadas: Ryane Leão e Cristian Sales
Mediação: Dayse Sacramento
21h às 21h50 – Encerramento artístico
- Apresentação musical: Samba Ohana
Foto destaque Mãe Stella: Antonello Veneri
Literatura
Sarau de Se7e celebra diversidade e arte na sua sétima edição

O Sarau de Se7e, evento gratuito reúne artistas da comunidade LGBTQIAPN+ e da cultura afro-brasileira no Centro Histórico com poesia, música, performance e resistência chega a sua sétima edição. A programação vai celebrar a palavra falada e as vozes da arte contemporânea. Esta edição acontecerá no Centro de Estudos Afro-Orientais – CEAO, no bairro Dois de Julho, no dia 03 de outubro, às 19h.
Os protagonistas desta edição serão artistas da comunidade LGBTQIAPN+, que ocuparão o centro da cena com suas vozes, narrativas e performances. Haverá na programação a Rainha Loulou, drag queen baiana; Lawá Ferreira, mulher transgênero, preta e transfeminista; Lua Teixeira, mulher trans, escritora e poetisa; Kuma França, homem trans preto; Meloyin Galvão, artista de rua e independente do cerrado mineiro; Máxima do Ébano, multi-artista, não-bináre; Próspera, artista multilinguagens, cria da BXD, neta do êxodo; Adayo, dofonitinho de Omolu, representando as crianças de terreiro.
A apresentação ficará por conta da Mestra de Cerimônia Tarry Cristina, acompanhada pela percussão de Jerfesom Pereira.
Origens
O Sarau de Se7e nasceu a partir do livro Se7e Passos de Ameixa, escrito pelo ator, poeta e escritor Ednaldo Muniz, e se consolidou como um espaço de afeto, escuta e expressão artística. Com atuação comunitária, o Sarau de Se7e atrai jovens, artistas independentes, educadores(as) e moradores do Centro Histórico, promovendo educação antirracista, valorização da identidade negra e a palavra como instrumento político e poético.
O evento tem apoio do CEAO, Madá Negrif, Dj Jeferson Souza, Rivaldo Nascimento, Bando de Teatro Olodum, Agô Empreende, Roberjan Magalhães, Cative Públicos Estratégicos e Lobo Som.
Serviço:
O que: 7ª Edição do Sarau de Se7e
Onde: CEAO – Dois de Julho
Quando: 03 de outubro
Horário: 19h
Quanto: Entrada gratuita
Formação
Festa Literária Arte e Identidade divulga finalistas do Concurso Versos de Identidade

Estão definidos os 10 jovens poetas de escolas públicas de Salvador e Região Metropolitana que estarão no palco do Espaço Juventudes, durante a 5ª Festa Literária Arte e Identidade, no dia 3 de outubro (sexta-feira). Às 15h30, os finalistas do Concurso Versos de Identidade Ano II subirão ao palco do Largo Quincas Berro D’Água para expressar sentimentos sobre identidade, resistência, arte e alegria enquanto ferramentas de luta, afirmação e existência.
As escolas que terão representantes disputando o pódio na premiação são: Escola Municipal Diácono Fernando Britto (Anathalia Kiara A. Quadros), Centro de Educação Profissional em Gestão Severino Vieira (Arthur O. Santos), Colégio Estadual Nelson Mandela (Camile Vitória E. Souza), Colégio Estadual Desembargador Júlio Virgílio de Sant’Anna (Claiton Neres), Colégio Estadual Teodoro Sampaio (Gabrielly S. Oliveira), Colégio Estadual Desembargador Pedro Ribeiro (Luis Alves), Colégio Estadual do Stiep Carlos Marighella (Paulo César Santos), Escola Municipal Pedro Paranhos (Sthefany A. Costa), Escola Municipal Conselheiro Luiz Viana (Sueli Barboza) e Colégio Estadual Cidade de Candeias (Ysllana Anunciação).
Os estudantes classificados nos 1º, 2º e 3º lugares serão premiados com troféu, prêmio em dinheiro, além de três livros da literatura negra infantojuvenil. Os poemas concorrentes abordam o tema desta edição, que é “Resistir é Festejar”, com versos que celebram a ancestralidade, a alegria e a potência da juventude negra e indígena como ato político, cultural e transformador.
“A nossa resistência traz a marca da dor, todavia também fala de amor, alegria e acolhimento. Li e reli cada poema sentido a vibração, o tom, o ritmo invadido intencionalmente pelo conteúdo proposto. Todos os poemas chegaram com as marcas daqueles que já sabem que não há história única e que escrever também é um ato de resistência para seguir festejando. Foi enriquecedor acompanhar essa costura”, comenta a escritora Márcia Márcia Mendes, coordenadora pedagógica da Festa Literária Arte e Identidade.
Para Márcia, que trabalhou na seleção dos poemas ao lado da curadora Karla Daniella Brito, a iniciativa possibilita que a leitura e a escrita sejam vividas como práticas sociais, dentro e fora do ambiente escolar.
“A escola é um lócus potente de ‘escrevivências’, termo cunhado por Conceição Evaristo, para lançar luz de uma escrita ancorada na memória individual e coletiva de cada pessoa. É desse solo encharcado de amor e, muitas vezes, carente do colo que a história negou, que meninos e meninas trazem para o papel os poemas”, conclui.
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